O Ministério Público Federal, através do procurador José Maria Panoeiro, disse nesta semana que o órgão homologou delações premiadas de dois ex-executivos das Lojas Americanas, palco da maior fraude contábil já vista no Brasil. São eles Flávia Carneiro e Marcelo Nunes, ambos egressos da B2W, o braço de e-commerce que foi incorporado às Americanas e, 2021. A dupla foi relacionada no fato relevante publicado pela empresa no qual eram apontados os responsáveis pelas fraudes – grupo liderado pelo ex-CEO Miguel Gutierrez.
A pergunta óbvia, diante desta situação, é: isso vai mudar o rumo das investigações? Não necessariamente. Mas seguramente vai imprimir um ritmo mais rápido às diligências, pois etapas serão queimadas e os detalhes chegarão de forma mais mastigada para o MP. Enfim, o caso será destravado.
O problema, no entanto, não está exatamente em explicar a fraude (que todos já entenderam seu funcionamento) ou quem fez o quê. Há ainda uma grande dúvida e uma enorme preocupação neste caso.
A dúvida é se o trio de acionistas de referência (Jorge Paulo Lemann, Marcel Teles e Carlos Alberto Sicupira) sabiam do esquema ou tinham algum tipo de participação ou mentoria na execução das fraudes.
A preocupação? É saber se algum, de fato, será punido.
Um caso recente de fraude, que não teve tanta exposição quando o das Americanas, foi baseado em provas contundentes. Mas os responsáveis, três anos após sua saída da empresa fraudada, deram apenas um depoimento à Justiça e nada indica que sejam condenados no curto prazo.
Fraude contábil é um assunto para poucos e contabilidade não é exatamente a especialidade dos investigadores do Ministério Público ou da Polícia Federal. Por isso, é normal que exista uma certa demora no processo – e um desinteresse das autoridades em destrinchar um tema tão árido. Mas, em função da enorme visibilidade deste episódio, espera-se um pouco mais de boa vontade na apuração e no ritmo das oitivas. O ex-CEO Gutierrez, no entanto, adiou até quando pôde o seu depoimento à PF. Gutierrez passou 95 %, no mínimo, do tempo destinado aos esclarecimentos falando de sua carreira dentro da empresa ou da estrutura do grupo. Quando o assunto foi a fraude propriamente dita, negou qualquer envolvimento ou conhecimento de “inconsistências contábeis”.
Ainda existe dúvida se os responsáveis pela falcatrua, que lesou acionistas e fornecedores, serão de fato responsabilizados. Mas uma coisa, pelo menos, é certa. A fraude contábil descortinou o estilo administrativo praticado pelas Americanas e pelas demais empresas controladas pelo trio Lemann, Telles e Sicupira – especialmente a prática constante de atraso nos pagamentos e estrangulamento constante das margens dos fornecedores. Esse relacionamento tóxico foi amplamente divulgado e provocou mal-estar no mercado.
Percebe-se que a admiração que o líder do G3 possuía no mercado foi seriamente abalada com a revelação das práticas de gestão do grupo, que inclui gigantes como Inbev, Burger King e Heinz. Práticas que nada têm a ver com os novos tempos, que exigem transparência e retidão. Em um mundo politicamente correto, os bastidores das Americanas revelam aquilo que há de pior no ser humano engravatado – a ambição sem limites e sem escrúpulos.