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CEO improvável: Telê Santana

por Amaury Segalla

Em 1993, fui escalado pela revista Veja para fazer uma reportagem sobre a impressionante sequência de títulos do São Paulo, que àquela altura tinha acabado de ganhar o bicampeonato mundial interclubes. Pouco afeito à cobertura esportiva, fui ao Centro de Treinamento do Clube, na Barra Funda, ansioso para encontrar o responsável por alguns dos momentos mais felizes de minha vida. Como são-paulino, eu amava aquele cara: Telê Santana.

Mas Telê me decepcionou. Carrancudo, ele parecia desconectado da conversa. Perguntei a razão e a resposta mostrou por que Telê era muito mais do que um simples treinador. “Não gosto do clima de festa, acho isso uma bobagem. Ganhou, acabou. A vida segue. Por mim, você, os outros jornalistas e toda a torcida deveriam ir embora. Eu prefiro treinar meus jogadores e não ficar de conversa fiada.”

As palavras podem não ter sido exatamente essas – isso foi há 26 anos –, mas jamais esqueci o teor da conversa. Telê transformou o São Paulo numa máquina de ganhar títulos não apenas por extrair o melhor de cada atleta, ou por ser um gênio das estratégias de jogo, ou por colocar seu time no ataque sempre, ou por qualquer outra razão. Acima de tudo, ele conduziu aquela geração extraordinária de jogadores como um CEO obcecado por resultados – e que não se aquieta enquanto eles não aparecerem.

Telê era tão chato quanto, digamos, o presidente de uma multinacional costuma ser. Todos os dias, religiosamente às 7h da manhã, o mestre – era assim que nós, da torcida, reverenciávamos nosso ídolo – caminhava pelos gramados do CT para caçar “paquinhas”, pragas que infestavam os campos de treinamento do São Paulo. O sujeito multicampeão, idolatrado por milhões de pessoas, agachava-se humildemente para arrancar ervas daninhas que ninguém mais, a não ser ele próprio, enxergava. Que CEO não teria feito o mesmo?

Cada detalhe merecia a sua atenção – sim, os presidentes das grandes empresas, pelo menos os bem-sucedidos, fazem isso também. Meticuloso, Telê ensinou uma penca de jogadores a disparar lançamentos corretos (Raí disse que aprimorou a virada de bola de um lado para o outro do campo de tanto que Telê o obrigou a repetir o lance), a cruzar com perfeição (não é mesmo, Cafu?), a finalizar melhor.

O lateral-esquerdo André Luiz contou que Telê o ensinou a bater falta. O mestre explicou onde mirar, que parte do pé tocar na bola, como posicionar o corpo para que a bola faça uma curva. André disse ter “decorado” tudo, mas que às vezes esquecia de aplicar as regras na hora do jogo. Telê, como o chefe que observa tudo, notava o esquecimento e cobrava o pupilo. “Olha, André, é assim que se faz. Presta atenção…”

       No mundo corporativo, os grandes executivos são aqueles capazes de despertar nos funcionários o que melhor eles podem oferecer para as empresas.  Telê era o CEO daquele São Paulo inesquecível, e craques como Raí, Muller e Leonardo, os empreendedores que faziam a coisa acontecer. Raí teria sido o que foi sem Telê? Provavelmente não. Muller teria sido, em vez de um jogador apenas veloz, um atacante completo? A resposta é não. Leonardo teria trocado a lateral para ser um meio-campista cerebral? Suspeito que não.

       Telê se preocupava com tudo. Tudo mesmo. Quando o atacante Macedo comprou um carrão, desses de fazer inveja aos colegas, Telê o obrigou a devolver a máquina. “Você já comprou casa para os seus pais? Não? Então devolve essa porcaria e vai crescer na vida, moleque.” Macedo não esqueceu a lição.

       “Telê me tornou uma pessoa melhor”, disse o goleiro Zetti, em uma emocionada entrevista para a revista Placar. Se você tem curiosidade para entender o impacto que Telê causou na vida dos jogadores do São Paulo, basta dar uma espiada no YouTube para ver o que dizem dele. 

Nenhum CEO tem uma trajetória 100% vitoriosa. Com um treinador, não seria diferente. Telê perdeu duas Copas do Mundo com a seleção brasileira, fracassou em times como Flamengo e Palmeiras e durante muito tempo foi “acusado” de ser azarado. E daí? Fracassos podem ser construtivos, como os CEOs sabem bem.

A minha entrevista com Telê terminou de maneira abrupta. Ele se despediu apressadamente com um argumento que achei bobo: “Preciso trabalhar.” Eu fiquei chateado. No auge da juventude, não entendia que, nas empresas e no futebol, os vitoriosos são assim.

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