O mundo aguarda um retorno mínimo da previsibilidade. Executivo da Kroll explica as possibilidades e o cenário
Alexandre Pierantoni
Enquanto o mundo e o Brasil, aguardam um mínimo grau de previsibilidade e estabilidade, investimentos na economia real e atividades de M&A [sigla em inglês para fusões e aquisições] estão em compasso de espera. Guerras comerciais (e suas constantes ações e reações), estão gerando um congelamento das negociações. Atividades de M&A desaceleram globalmente após novos anúncios de tarifas e o aumento das tensões comerciais. A incerteza, que pode frequentemente estar associada a fatos mais óbvios, como a perspectiva de crescimento da economia, o nível de emprego ou ainda, inflação e taxas de juros, espalhou-se para todos os setores e incertezas avançando para o impacto na cadeia de fornecimento (supply chaim), estruturas tributárias, negociações bi ou multilaterais e durabilidade das relações.
Expectativas que o mercado global tinha para as atividades de M&A até 20 de janeiro de 2025 quando o presidente Donald Trump tomou posse para seu segundo mandato foram absolutamente quebradas – noto que esperávamos um mercado de capitais pujante e forte atividade de M&A, dentro do próprio Estados Unidos e com impactos positivos nas atividades internacionais.
Dia 20 de janeiro, coincidentemente, é dia de Martin Luther King nos Estados Unidos….e seu conhecido discurso de 28 de agosto de 1963, “I have a dream” onde podemos extrair “Eu tenho um sonho que um dia todos os vales serão engolidos, todas as colinas serão exaltadas e todas as montanhas serão rebaixadas, os lugares acidentados se tornarão planícies e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne verá isso junto. Esta é a nossa esperança”. E parece que, paradoxalmente, vivenciamos vales mais profundos, maiores distâncias entre colinas e montanhas e uma instabilidade de terreno onde não existem planícies, mas apenas caminhos tortuosos, imprevisíveis e instáveis, com distanciamento cada vez maior entre países, governantes e indivíduos. Esta é nossa atualidade.
Vivemos um ambiente de mercado de capitais globalmente instável e dissolvente, com investimentos, de forma geral, com desafios e tomadas de decisão, em contexto sem precedentes. Os últimos meses de 2024 e primeiras semanas de 2025 criaram expectativas positivas de atividades de M&A para o ano de 2025 e sinais promissores de recuperação, mas os desenvolvimentos mais recentes, que só adicionaram componentes a um cenário quase que caótico, praticamente paralisaram o volume de negócios.
A ameaça de novas tarifas generalizadas injetou uma dose massiva de incerteza no panorama global dos negócios. Dados da Bloomberg mostram que o volume global de M&A caiu para US$ 434,2 bilhões nos dois primeiros meses de 2025 – uma queda de 21% em relação ao mesmo período do ano passado, atingindo o nível mais baixo dos últimos cinco anos para esse intervalo.
Essa incerteza se manifesta de várias formas críticas que impactam diretamente as negociações. Temas associados a “quando e onde investir” estão sendo questionados pelos investidores. Prêmios de risco escalaram e perspectivas de avaliação (valuation) de empresas distanciaram-se. Adicionam-se a este contexto, necessidades de reestruturar-se cadeias operacionais e de fornecimento, e a previsibilidade de futuro “não existe mais”. E quando este maremoto passar, ainda teremos um oceano agitado – não estamos tendo algumas ondas em um lago, mas sim, um maremoto nos oceanos.
Exploro alguns destes temas de forma mais objetiva abaixo:
- Desafios de avaliação: avaliar corretamente uma empresa quando sua cadeia de suprimentos abrange diversos países é fundamental e tem paralisado as negociações, colocando negociadores em posições difíceis. Sem clareza sobre onde, quando e por quanto tempo as tarifas estarão em vigor, fica impossível definir valores precisos;
- Recalibração estratégica: redirecionamento do foco de estratégias de crescimento, como aquisições, para lidar com desafios operacionais de custos, adicionais aos tarifários(impactados por inflação, acesso e custo de capital, escassez ou limitações de mão de obra e todo seu supply chaim);
- Complicações em transações internacionais: em vez de buscar aquisições globais, as empresas estão reavaliando suas cadeias de suprimentos internacionais, podendo multiplicar seus fornecedores e estruturas operacionais e tributárias;
- Impacto setorial: movimentações erráticas em produtos de consumo afetam cadeias de suprimentos e setores como o de varejo. A instabilidade nos mercados financeiros e o acesso ao próprio custo de capital, impactados por pressões inflacionárias, trazem consequências aos créditos de empresas e consumidores, afetando a previsibilidade dos setores;
- Previsibilidade: apesar dos desafios atuais, a história mostra que o mercado de M&A pode prosperar mesmo em cenários incertos, desde que haja clareza direcional.
Este contexto todo também se aplica ao Brasil. Por aqui, as atividades de M&A, nestes primeiros meses, tem mantido o patamar de 2024. Domínio é de transações de investidores estratégicos locais, em transações que tem objetivos diversos, dentre eles, de ampliar portfólio de produtos e serviços ou ainda fortalecer-se em determinadas regiões do país.
O próprio posicionamento do Brasil neste contexto global merece uma reflexão. Da mesma forma que os impactos dos conflitos na Ucrânia ou na Faixa de Gaza foram “menos sentidos” no Brasil, o país não é o alvo principal das disputas geopolíticas e comerciais. E o país pode se beneficiar deste contexto, sendo a alternativa para diversificação e destino internacional de investimentos ou mesmo, enquanto seu mercado consumidor interno, ou ainda, como fornecedor global (com positivo impacto nas exportações do país).
Por ora, entretanto, a maioria dos investidores e negociadores adota uma postura de cautela e “wait and see” – similar ao que o Brasil deverá adotar. Até que haja maior clareza no horizonte, com esclarecimento de duração e o impacto das tarifas, e voltemos a ter um oceano “normal” é provável que as atividades de M&A permaneçam em níveis reduzidos. E como diria Martin Luther King….”I have a dream”. E completo, referenciando sua luta, que devemos trabalhar para implementar este sonho.
Alexandre Pierantoni é líder de Finanças Corporativas Latam e Brasil da Kroll