Receita Federal americana desconfiou das milhares de pequenas transações que quase sempre levavam à Bitfinex, corretora vítima de um golpe de US$ 4,5 bi em criptomoedas
Por muitos anos, o sucesso de Heather Morgan e seu marido, Ilya Lichtenstein, serviram de inspiração para seus seguidores. Eles davam dicas de investimentos, se apresentavam como especialistas em cripto segurança, enquanto apareciam nas redes com trajes extravagantes e caretas infantis – principalmnte ela. O que ninguém esperava é que praticassem justo o que afirmavam combater, os cibercrimes. Apelidados de criptocasal, foram detidos em Nova York na terça-feira (8), acusados pela Receita Federal dos Estados Unidos de tentar lavar US$ 3,6 bilhões (R$ 19 bilhões) em bitcoins roubadas da corretora Bitfinex por hackers, em 2016. O caso só foi divulgado nesta segunda-feira (14). Na ocasião, foram surrupiadas digitalmente cerca de 1% dos criptoativos em circulação no mundo. Valorizadas desde então, as 9.754 bitcoins furtadas que valiam US$ 71 milhões hoje perfazem US$ 4,5 bilhões (R$ 23,6 bilhões). A dupla tentava esquentar esse dinheiro, mas o volumes despertaram a atenção.
Em um parecer de 20 páginas redigido pelo agente especial da Receita Federal americana, Christopher Janczewski, é revelado que o casal transferiu os bitcoins roubados “por meio de milhares de transações para mais de dez contas” em seus próprios nomes. Uma dessas empresas era a SalesFolk, a consultoria de Morgan. Em junho de 2020, quando ninguém desconfiava de ambos, ela escreveu um artigo para a Forbes: “Especialistas compartilham dicas para proteger seus negócios de cibercriminosos”.
Morgan tentava se apresentar como uma celebridade pop, se definindo como “empreendedora serial, investidora [em software] e artista/rapper surrealista [de qualidade tão duvidosa quando sua indumentária]. Em sua apresentação na Forbes consta: “Quando não está fazendo engenharia reversa no mercado negro para pensar maneiras melhores de combater fraudes e crimes cibernéticos, ela gosta de fazer rap e desenhar moda streetwear”.
Juntos, Morgan e Lichtenstein podem ser condenados a pena máxima de 25 anos de prisão. O criptocasal não é acusado do ataque hacker que roubou os bitcoins, mas atuou de forma sistemática para ocultar as origens das criptomoedas por meios de milhares de pequenas transações que incluíram até compras no Walmart e corridas de Uber.
Mecanismo
Morgan também é acusada, em junho de 2019, de transformar sua conta pessoal que tinha em uma exchange para uma conta corporativa. O objetivo era “receber menos escrutínio sobre suas transações, enquanto liquidava grandes quantidades de bitcoin”, diz o parecer.
Descoberta
O esquema só foi descoberto após o uso de uma conta de armazenamento em nuvem feito por Lichtenstein. Agentes da receita já desconfiados, abriram os códigos de um arquivo que continha uma lista de 2 mil endereços de criptomoedas, juntamente com as chaves privadas correspondentes para cada acesso. Com isso, chegou-se à conclusão que quase todos os endereços tinham ligação com a Bitfinex. O Departamento de Justiça americano revelou também que as criptomoedas roubadas também passaram por entidades de propriedade de Morgan.
Furos narrativos
Como a Justiça acusa o casal apenas da operação de ocultação e lavagem dos ativos, o advogado de ambos, Samson Enzer, alega que o relatório da Receita apresenta “buracos significativos” que não conseguem esconder deficiências. Até pode ser, mas o dinheiro passou pelas mãos da dupla, o que complica suas vidas e praticamente os coloca na obrigatoriedade de um acordo de delação para que as autoridade peguem quem cometeu a primeira parte do golpe – se é que já não pagaram.