A declaração de CEO contra o projeto de lei Don’t Say Gay destoa das práticas e das doações da empresa
Em carta aberta à Disney, os colaboradores da produtora de filmes animados Pixar revelaram sofrer censura sobre personagens gays em seus projetos por parte dos executivos da Disney, sua controladora. Essas atitudes recorrentes provocaram críticas internas e reações: “Praticamente todos os momentos de afetos abertamente gays são cortados a mando da Disney, independentemente se há protestos das equipes criativas e da liderança executiva da Pixar [a favor deles]”. Eles continuam: “Mesmo que criar conteúdo LGBTQIA+ fosse a resposta para consertar a legislação discriminatória do mundo, nós estamos sendo barrados de criá-lo”.
Não diga a palavra
As críticas são embaladas pelo discurso vago do CEO da Disney, Bob Chapek, que na segunda-feira (7) emitiu um memorando para todos os funcionários em resposta à legislação aprovada recentemente no estado da Flórida, conhecida como Don’t Say Gay, que proíbe a abordagem de temas de indetidade sexual e de gênero nos primeiros anos escolares. O texto é vago, mas doravante qualquer professor ou escola que cruzar essa linha poderá ser processado.
No texto, Chapek afirma que o maior impacto que a empresa pode causar é “na criação de um mundo mais inclusivo é por meio do conteúdo inspirador que produzimos“. E segue: “Toda a equipe de liderança da Disney apoia inequivocamente nossos funcionários LGBTQ+, suas famílias e suas comunidades”. Uma declaração anterior ao programa Good Morning America adotou o mesmo tom, o que deu início às críticas internas. Além de pouquíssimos, os personagens assumidamente LGBTQIA+ da Pixar tiveram quase nenhum destaque nas tramas. O primeiro abertamente gay foi uma policial feminina ciclope, vista em “Dois Irmãos: Uma Jornada Fantástica”. Não é exatamente um sucesso de bilheteria e de streaming.
Modern Family
Após ter seu memorando criticado pelo tom vago e superficial, Chapek falou publicamente na quarta-feira (09) sobre a oposição da Disney ao projeto de lei discriminatório. Ele anunciou que a Disney doaria US$ 5 milhões para a campanhas de direitos humanos e que se reuniria com o governador do estado da Flórida, o republicano Ron DeSantis.
É uma mudança de direção. Antes, Chapek defendia a decisão de não se manifestar. Ele explicava estar preocupado com a reação daqueles que não apoiam os direitos LGBTQ e que as declarações corporativas sobre questões políticas “fazem muito pouco”, mas podem ser “armadas por um lado ou outro para dividir e inflamar ainda mais”. O CEO também dizia que o Don’t Say Gay é apenas “um projeto de lei” em “um estado” e a melhor maneira de a Disney apoiar a comunidade LGBTQ seria ignorá-lo.
Oposição
Não foi assim que a Disney agiu historicamente. Em 2016, por exemplo, a empresa tomou uma posição firme contra um projeto de lei anti-LGBTQ no estado vizinho da Geórgia, ameaçando boicotar locações e novos contratos se o projeto fosse aprovado. Quando o então governador Nathan Deal vetou a legislação, a Disney elogiou sua decisão. Chapek assumiu o lugar do ex-CEO da Disney Bob Iger no ano passado. Iger se opôs publicamente ao Don’t Say Gay.
Chapek afirmou que o conteúdo produzido pela Disney, incluindo a série Modern Family, funciona como a resposta: “Encanto, Pantera Negra, Pose, Cães de Reserva, Coco, Soul, Modern Family, Shang-Chi, Summer of Soul, Love, Victor. Essas e todas as nossas diversas histórias são nossas declarações corporativas – e são mais poderosas do que qualquer tweet ou esforço de lobby. Acredito firmemente que nossa capacidade de contar essas histórias – e recebê-las de olhos, ouvidos e corações abertos – seria diminuída se nossa empresa se tornasse uma bola de futebol política em qualquer debate.”
Siga o dinheiro
Em seu memorando, Chapek também posicionou a Disney em uma neutralidade pública mentirosa. A empresa doou US$ 299.126 para apoiadores de Don’t Say Gay. Desse montante, US$ 249.126 foram para representantes estaduais e US$ 50 mil para o governador da Flórida, Ron DeSantis. Isso inclui US$ 4.126 para Joe Harding e US$ 1.000 para Dennis Baxley, respectivamente, o deputado e o senador estaduais republicanos que lideram a campanha. Por isso a decisão de reavaliar as “doações políticas”.