Com o avanço da vacinação nos Estados Unidos, começaram os primeiros chamados para finalizar o experimento de home office da pandemia.
O presidente da Morgan Stanley, James Gorman, já foi bem direto: “Se você pode ir a um restaurante na cidade de Nova York, você pode voltar ao escritório”, disse ele em conferência de serviços financeiros organizada pela empresa.
O problema para Gorman, e para outros executivos pelo mundo, é que parte dos trabalhadores pode preferir trabalhar no restaurante e no escritório. Estar no escritório na segunda-feira, em um café perto de um cliente na terça e na quarta-feira ficar em casa mesmo.
É a tendência que apareceu na pesquisa da JLL, empresa do mercado imobiliário para escritórios, com dois mil profissionais pelo mundo. Apenas 10% dos entrevistados querem voltar ao escritório em tempo integral. E 24% trabalhariam remotamente para sempre.
Os outros 66%? Esses querem a flexibilidade para escolher o combo que melhor funciona para seu estilo de vida. É o começo da era do ambiente de trabalho personalizado.
“O ‘one size fits all’ (do inglês, um tamanho serve para todos) definitivamente não cabe mais. Você precisa combinar o DNA da empresa com o perfil das pessoas. Temos quatro, talvez cinco gerações, convivendo.
As prioridades para uma pessoa de 60 anos e de alguém de 18 anos são diferentes. Temos que trazer de novo o olhar da pessoa ser o centro da estratégia”, comenta Washington Botelho, diretor para a América Latina de Corporate Solutions da JLL.
Botelho explica que cada empresa precisará analisar sua cultura e encarar quais opções de flexibilidade funcionam para sua estratégia e cada tipo de colaborador.
Com um escritório em Chicago passando pelo dilema de como retornar ao trabalho agora, o executivo acredita que a única certeza da empresa é que ainda não se sabe a resposta para o trabalho pós-pandemia.
“Sabemos que o ambiente do escritório vai ser redesenhado para o modelo híbrido. E as pessoas vão trabalhar de casa e de qualquer lugar. Sabemos também que a segurança e saúde serão fatores importantes”, comenta ele.
O mundo do novo modelo híbrido mal começou e já se prova complexo. Mas não deveria ser uma surpresa que um terceiro espaço — que não é nem o escritório e nem a casa — apareça como preferência para 40% dos entrevistados pela JLL.
Um dos ganhos mais citados por todos que experimentaram o trabalho em casa foi a economia de tempo que antes era gasto no trânsito. Muitos falam da falta que um café ou almoço com os colegas fez falta, mas ninguém sentiu falta do trânsito.
“Hoje a gente olha o trabalho no escritório com saudade. Acabamos esquecendo a sensação do trânsito, da distância da família, e estamos só saudosos. Em países como Israel, voltando ao normal no ritmo mais acelerado, duas semanas depois da volta bate a realidade: matei saudade, tomei todos os cafés, e não aguento mais o trânsito”, comenta Bob Wollheim, diretor de estratégia da CI&T, empresa de Campinas dedicada a ajudar outras empresas na jornada da transformação digital.
De seu escritório na casa de praia em Ilhabela, onde vai permanecer depois da pandemia, o diretor concorda com a visão de que não há uma resposta pronta para o modelo ideal de trabalho, porém alerta para as perdas ao manter um olhar para o passado romantizado.
A perda número um: os talentos mais disputados pelo mercado de trabalho. “O que dá errado na equação são as pessoas. Elas ganharam o poder de escolha. Quem pode, vai exigir uma liberdade maior”, comenta.
E a número dois será a inovação. Negar as tendências do mercado pode fechar as portas para novas ideias e produtos.
O grupo britânico IWG, maior operador de coworking e escritórios compartilhados no mundo, não perdeu tempo e lançou um novo serviço de olho no desejo por um espaço terceirizado. Afinal, além de evitar o trânsito, muitos trabalhadores também reclamam da falta de estrutura em casa.
A Regus, uma de suas marcas, agora terá um pacote de serviços em nuvem e sob demanda para empresas. Assim, as companhias podem oferecer como benefício o trabalho a partir de um dos espaços de coworking.
Segundo a IWG, empresas como a a Standard Chartered Bank e NTT, ambas com mais de 100 mil colaboradores, já optaram pelo serviço, incluindo no Brasil.
“Os colaboradores querem ter o controle de sua jornada e agenda, incluindo quando, onde e com quem trabalhar”, diz Tiago Alves, CEO do IWG no Brasil.
Flexível de verdade
Se o híbrido é o caminho do futuro, o que explica a carta de funcionários da Apple ao CEO Tim Cook? Segundo o portal The Verge, a empresa de tecnologia anunciou um retorno em setembro com três dias de trabalho presencial, mas um grupo de funcionários se posicionou contra.
Para eles, a comunicação constante da empresa sobre a “vontade de se ver presencialmente de volta no escritório” invalida o sentimento do grupo de profissionais que está muito bem no modelo remoto.
A carta foi redigida por membros de um grupo de Slack chamado “defensores do trabalho remoto”, que tem cerca de 2.800 pessoas.
O posicionamento da empresa teria sido, segundo o grupo, o motivo de demissão de alguns colegas. Pesquisa da Morning Consult para a Bloomberg News com mil americanos mostrou que 39% considerariam se demitir caso seus empregadores não fossem flexíveis sobre o trabalho remoto.
“Obrigar as pessoas a voltar remete ao sistema antigo, aquele opressor e controlador, que precisa acompanhar o trabalho da pessoa e reproduzi o padrão da linha de montagem. Em um trabalho mais contemporâneo, o funcionário tem mais autonomia e não cabe mais uma gestão do passado”, fala Wollheim.
Para ele, os profissionais tiveram uma degustação (um tanto amargada pela pandemia) da flexibilidade, e vão continuar buscando mais.
“Tem mudanças que não vejo voltando para o que era antes, vamos nos encontrar no meio do caminho. Não é só o trabalho híbrido, mas vejo uma nova relação de trabalho que veio para mudar e ficar”, diz o diretor da CI&T.
Em sua pesquisa, a JLL traça quatro perfis diversos de trabalhadores na pós-pandemia: os tradicionais, amantes da experiência, viciados em bem-estar e os espíritos livres.
No último grupo, dos que querem o serviço totalmente remoto, 69% são atraídos pela ideia de viver longe da cidade e ir para o escritório apenas quando é necessário. A exemplo do diretor da CI&T.
Os viciados em bem-estar são aqueles que ficariam até 4 dias por semana de home office. Para 54% deles, as prioridades são o equilíbrio trabalho-vida, menos deslocamento e trabalho local. O grupo de amantes da experiência, que ficariam em casa um ou dois dias, é o mais engajado: 77% deles disseram ter esse sentimento.
Entre os que preferem o escritório, 53% querem mais espaços de socialização no escritório. E esse é um ponto que une todas as tribos. No estudo, um em cada dois funcionários consideram os espaços de socialização cruciais para sua experiência no escritório do futuro.
O executivo da JLL aponta que não existe um perfil certo, ou “vencedor”. Todos refletem um aspecto central da personalização do ambiente de trabalho: o funcionário entendendo o que precisa para ser mais motivado e produtivo. E cabe ao RH abrir os canais para entender quais são as demandas.
“É uma quebra grande de paradigma sair do conceito de controle. Quando começarmos a trabalhar de qualquer lugar, teremos que olhar de perto o modelo de gestão de tarefas, e passar a gerenciar pessoas por entregas. Também precisaremos ter mais confiança nas relações de trabalho”, diz Botelho.
Por Luísa Granato
Publicado originalmente em https://exame.com/carreira/a-era-do-ambiente-de-trabalho-personalizado/