Apesar de a nova configuração trabalhista entre motoristas e a Uber no Reino Unido ter voltado a chamar a atenção sobre essa mesma relação no Brasil, a tendência é de que a Justiça continue a entender que não há vínculo de trabalho entre as duas partes por aqui.
Em fevereiro, o Tribunal Superior de Trabalho (TST) decidiu pela terceira vez que não há relação trabalhista no serviço oferecido pela empresa e a decisão da Justiça britânica — decidida semanas antes — não deve mudar o cenário.
Na visão do ministro Guilherme Caputo, decisões judiciais de outros países, como o Reino Unido, não devem influenciar o Judiciário brasileiro, devido à diferença dos sistemas jurídicos.
Ele também lembrou a diferença trabalhista. No Reino Unido, há uma categoria “intermediária” em que os motoristas serão enquadrados. Por lá, eles são chamados de “workers”.
Eles terão direito a benefícios como salário-mínimo, férias e aposentadoria, mas não podem ser comparados à formalização via carteira assinada no Brasil.
O entendimento de fevereiro do TST já havia sido adotado em outros dois julgamentos em 2020, em setembro e em fevereiro, e também pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de 2019.
Para haver vínculo de trabalho, é preciso existir prestação não eventual de serviços, remunerada, com pessoalidade e subordinação. No entendimento da Justiça, não é isso que ocorre.
Segundo a Uber, já são mais 800 decisões em Tribunais Regionais e Varas do Trabalho que também fazem o mesmo entendimento.
Em posicionamento enviado à EXAME, a empresa reafirma que os motoristas parceiros não são empregados nem prestam serviço à Uber, o que explica o entendimento da Justiça brasileira.
“Eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a ser cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima”, afirma a nota.
No Brasil, os trabalhadores vinculados à Uber e a outras plataformas, como de delivery, têm adotado algumas estratégias em busca do reconhecimento da formalização e de ter acesso a direitos trabalhistas.
Em 2020, duas paralisações em julho foram organizadas por entregadores de aplicativos, como a Uber Eats, da mesma empresa, iFood e Rappi.
No Brasil, a empresa tem cerca de 1 milhão de motoristas e entregadores registrados, 22 milhões de clientes e opera em mais de 500 cidades.
Por ser aberta na Bolsa de Valores de Nova York, a Uber não tem autonomia para divulgar seus resultados por país, mas os últimos indicadores financeiros mostravam que, antes da pandemia, a América Latina — região da qual o Brasil é um forte player —, respondia por cerca de 531 milhões dos 3,7 bilhões de dólares da receita anual da companhia.
Pressão por reajustes
Nesta terça-feira, 23, o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-4) media uma reunião entre motoristas e representantes de empresas, entre elas a Uber, que atuam em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.
A reunião foi solicitada pelo Sindicato dos Motoristas em Transportes Privados por Aplicativos do Estado do Rio Grande do Sul com o objetivo de abrir um processo de mediação entre as partes para discutir as condições de trabalho, que foram agravadas pela pandemia, segundo a organização.
A categoria fez uma paralisação na última semana e pede que os valores recebidos por quilômetro rodados sejam reajustados.
Por Victor Sena
Publicado originalmente em https://exame.com/negocios/apos-decisao-no-reino-unido-o-que-pode-acontecer-com-a-uber-no-brasil/