A pandemia do coronavírus é uma inegável catástrofe social. Mas foi definida por muitos também como uma máquina do tempo para os negócios, pois acelerou o processo de digitalização da economia de uma forma impossível de ser alcançada na antiga normalidade. A startup Delivery Center é uma expoente dessa verdade.
Fundada em 2017 para transformar shoppings e lojas em mini-centros de distribuição, a partir de uma estratégia de vendas on-lines, a companhia esperava alcançar o equilíbrio financeiro, conhecido como “break-even”, entre o fim de 2023 e 2024. Agora, Saulo Brazil, co-presidente da empresa, acredita que ele poderá ser atingido no fim de 2021.
“Levamos um ano para montar um plano para 2020 e os próximos anos e, em um mês, mudamos tudo”, contou o executivo. Brazil lidera o negócio ao lado do fundador Andreas Blazoudakis, ex-sócio do grupo de tecnologia Movile.
A Delivery Center recebe o lojista em sua base e o coloca nos mais diversos canais de e-commerce com os quais tem parceria. A lista inclui Rappi, Uber Eats, iFood, Mercado Livre, os e-commerces próprios de cada shopping e mais recentemente foi fechada uma parceria com a B2W, dona da Americas.com e da Submarino. No total, são 15 market-places (locais virtuais de venda). “Somos totalmente agnósticos em termos de canais. Quanto mais, melhor.”
Quando a venda é realizada no e-commerce, a empresa se encarrega da logística do produto, retira na loja e leva até o cliente em 24 horas. O objetivo da Delivery Center é permitir que cada loja seja também um e-commerce e ainda funcione como lugar de estoque. A companhia tem um mini hub dentro dos shoppings para gerir a distribuição.
“Do jeito que é feita hoje, a logística do e-commerce não faz muito sentido. Um cliente longe de um CD demora dias para receber um produto que, às vezes, está em uma loja próxima, em sua região. Tem muita eficiência para ganhar”, disse.
Embora satisfeito com a oportunidade de crescimento, Brazil sabe bem que o quadro atual é bastante delicado. “Nós criamos o negócio para ajudar o lojista sem estratégia digital e logística a crescer e vender mais. Agora, nossa reponsabilidade aumentou muito. Temos de ajudá-lo a sobreviver, a não quebrar.”
O resultado da pandemia, na visão do co-presidente da Delivery Center, será uma mudança tanto da estratégia logística quanto do conceito de loja física. O lugar que o cliente frequenta vai ter “de entregar uma experiência com a marca” e deixar de ser apenas um lugar para vendas, na visão do executivo.
Mesmo com a reabertura dos shoppings se acelerando, Brazil acredita que os canais digitais vão continuar fortalecidos, tanto por uma esperada demora na retomada da confiança como por uma mudança de hábito mais definitiva.
Antes do coronavírus, a expectativa era que o break-even seria obtido quando o total de vendas movimentado na plataforma alcançasse 1 bilhão de dólares — estimativa realizada quando o dólar valia menos de 4 reais. Agora, Brazil avalia que o equilíbrio entre receitas próprias (uma taxa sobre as vendas) e custos mais despesas vai ocorrer com 1 bilhão de reais de GMV – a nova sigla da moda no varejo, que em uma tradução livre do inglês significa valor bruto de vendas, ou seja, o bom e velho faturamento.
“Além de o nosso crescimento estar muito acelerado, também percebemos os ganhos de eficiência possíveis com investimento em tecnologia”. No início deste ano, a Delivery Center captou 69 milhões de reais com os sócios. “O dinheiro levantado está sendo suficiente para essa forte reação diante da pandemia, mas já estamos preparando a terceira rodada para fim deste ano ou começo de 2021.”
Além dos fundadores, a base de acionistas da empresa tem uma lista de grife com as administradoras de shoppings brMalls, Multiplan e Cyrella Commercial Properties (CCP), além da Bloomin Brands (Outback e Abraccio), do Grupo Trigo (Spoleto), de Fernando Stein, da rede de estacionamentos Indigo e de José Galló, presidente do Conselho de Administração da Renner. No total, os aportes recebidos ultrapassam 100 milhões de reais.
Tabuada
O crescimento que a Delivery Center experimenta com a pandemia não é simples de ser visualizado em percentuais. Para ser melhor compreendido, a multiplicação funciona mais. No fim do ano passado, eram 1.000 lojistas atendidos, em sua maioria de alimentação. Ao fim de maio, a base se multiplicou por três, com 3.000 lojistas, de 30 shoppings diferentes, após uma explosão na adesão de não-alimentos. “O que eu assinava de contrato em um mês, agora assino em dia”, afirmou Brazil, explicando que também atende alguns coméricos de rua.
Para dar conta de organizar essa expansão fora dos padrões, a companhia também teve de investir. Tinha 90 funcionários na holding, ou seja, nos seus escritórios centrais (São Paulo e Curitiba), 200 operadores dentro dos hubs e 1.000 entregadores, no fechamento de 2019. Cinco meses depois, Brazil gere uma equipe com mais de 200 profissionais na holding, 300 operadores de campo e 3.000 entregadores.
A expectativa é que o GMV deste ano fique em 300 milhões de reais, mais de três vezes o valor do ano passado. O plano anterior para 2020 era ter atuação em cinco estados, em um total de 17 cidades. Mas, no fim deste ano, serão entre 35 e 40 cidades, espalhadas entre 18 a 20 estados. “Antes, a ideia era operar de Minas Gerais para baixo. Mas agora estamos indo para região Centro-Oeste e Nordeste.”
Apesar do pontapé da pandemia, Brazil vê muito espaço ainda para mudanças, em especial no mercado que não é de alimentação. A pandemia só acelerou a adesão, mas tudo ainda precisa funcionar melhor. Das vendas hoje, alimentos ainda representam 75%. Antes da pandemia, era 95%. A expectativa, contudo, é que esse percentual seja inferior a 50% ainda no fim deste ano.
“As marcas e as lojas ainda estão no início do aprendizado de como usar melhor o estoque urbano, já na última milha, ao lado do cliente.”
(Graziella Valenti – Redação Exame)