Os livros de Kara Swisher e Kyle Chayka dissecam o coração tecnológico do mundo. Há boas e péssimas notícias
Rafael Ferreira
Enclave na ponta sul da Bay Area de San Francisco, na Califórnia, o Vale do Silício abriga 30 das 100 maiores corporações tecnológicas do planeta. Epicentro unânime da inovação e da economia digital, é um local mais citado pelas empresas e pelas tendências de comportamento corporativo do que pelo modus operandi de seus bilionários protagonistas e suas motivações. O ritmo com que invenções e fortunas são construídas são um impeditivo para a captura da vibração de cada momento. Por isso o lançamento de dois livros que explicam os mecanismos do lugar são bem-vindos, ainda que as revelações possam ser cínicas e indigestas em diversos momentos. Felizmente há boas doses de esperança.
“Burn Book – A tech love story” (sem tradução no Brasil), da jornalista Kara Swisher, mostra de modo impiedoso – ao melhor estilo new journalism – como os fundadores da indústria tecnológica do Vale do Silício queriam mudar o mundo, mas acabaram por destruir o que existia sem necessariamente colocar algo muito melhor no lugar.
Pioneira da cobertura tech, a autora entrevistou ao longo de seus 30 anos os CEOs mais poderosos do Vale: Steve Jobs, Jeff Bezos, Elon Musk, Bill Gates, Sheryl Sandberg, Bob Iger, Larry Page, Sergey Brin, Meg Whitman, Peter Thiel, Sam Altman e Mark Zuckerberg. Por isso boa parte da narrativa tem algo de autobiográfico. Suas coberturas demolidoras geraram piadas internas. Sandberg, do Facebook, lembrou que no início do século havia um receio sobre memorandos internos: “Espero que Kara nunca veja esse”.
Lançado no final de fevereiro, o livro enfileira conversas repletas de sonhos, eloquências, ambições e megalomanias. Mesmo com fama de maldosa e iconoclasta corporativa, Swisher permanece otimista quanto ao potencial da tecnologia para ajudar a resolver problemas da humanidade. Ela faz um apelo para que indústria faça escolhas melhores.
Já “Filterworld – How algorithms flattened culture” (sem tradução no Brasil) vai em direção quase oposta. Escrito pelo jornalista Kyle Chayka, da New Yorker, é uma investigação de como decisões matematicamente determinadas ditam nossas escolhas de maneira imperceptível. Dos restaurantes da moda, às músicas que ouvimos e os filmes que assistimos. O que ele expõe não deve ser ignorado, já que ele analisa meandros digitais, físicos e psicológicos.
Após sua pesquisa, Chayka se isolou de todas as redes sociais para escrever. Assim, descobriu com mais facilidade como as big techs moldam e limitam nossos interesses coletando nossos dados e piorando nossa vida enquanto prometem oferecer facilidades. Para fugir destas armadilhas, o jornalista sugere que sejam utilizadas plataformas mais conscientes.