Crescimento de fundos voltados para armamentos, combustíveis fósseis, tabaco e jogos de azar soa como um alerta, porém mostra que há lugar até para quem tem olhos no passado
Em Wall Street segue a onda longa que desafia a narrativa inabalável – em tese – da sustentabilidade nos investimentos. O movimento anti-ESG se opõe às estratégias que preconizam o aporte de capital em operações que contemplem a responsabilidade para com a natureza e a sociedade. Não se trata de um retorno ao passado, mas tampouco é um movimento excêntrico.
Ainda que haja argumentos ideológicos, a fundamentação prática é financeira. Há empresas muito lucrativas fabricando armas individuais, produzindo energia em larga escala a partir de combustíveis fósseis, processando tabaco, álcool, financiando cassinos ou sites de apostas. Por isso, gestoras têm recuado de suas iniciativas ESG, temendo retaliações e enfrentando pressões políticas crescentes à medida que alguns estados americanos aprovam leis para dificultar tais estratégias. Até 2017, existiam apenas cinco disponíveis para investidores nos EUA. Neste ano chegaram a pelo menos 27 e, até o final do ano, podem superar 30.
O fenômeno é recente: 21 fundos considerados anti-ESG foram criados nos últimos dois anos. A movimentação foi de US$ 2,1 bilhões em março (últimos dados disponíveis). São um grão de areia comparado aos US$ 270 bilhões dos fundos sustentáveis no período. Para dar um ideia, os signatários do Net Zero Asset Managers reúnem US$ 57 trilhões em ativos pelo mundo. Mas como dinheiro é dinheiro, nenhum centavo acaba desprezado.
Face oculta
Os adeptos aos fundos “do contra” alegam que os produtos financeiros que priorizam os critérios ESG são objetivos o suficiente em relação aos seus propósitos primários: a obtenção de retorno financeiro. Faz sentido, apesar da lógica amarrar a cara de muita gente.
“Os argumentos dos que são contrários ao ESG são sempre tão incipientes que chegam a ser vergonhosos. No vídeo “A Face Oculta do ESG”, o interlocutor afirma que essa agenda aumenta o preço dos itens, diminui a livre concorrência e que algumas poucas pessoas não eleitas estão decidindo o futuro da humanidade. Uma inversão grotesca que volta a exaltar o ‘business as usual’, ou, como diria Milton Friedman, ‘business of business is business'”, afirma Liliane Rocha, CEO e fundadora da gesgtora Kairós.
Como começou?
O berço do movimento anti-ESG está nos Estados Unidos. Segundo Laura Vélez, líder de análises sustentáveis da FAMA Investimentos, o discurso ganhou força com políticos republicanos alegando que esses investimentos “boicotam” a economia por desconsiderarem indústrias importantes, como a de óleo e gás.
Outro ponto são as iniciativas parlamentares que dificultam novas regulamentações ESG por ferirem leis antitruste, prejudicam setores econômicos lucrativos e que empregam em larga escala. No campo político, a turma contrária alega que por trás da agenda do bem há uma ampla tentativa de formação de cartel. “É um movimento natural que acontece em revoluções. A agenda ESG cresceu nos últimos anos e há políticos e empresas se sentindo ameaçados. O instinto é gritar contra, como estão fazendo”, expôs Vélez.
A pressão política não passa despercebida. CEO da BlackRock, uma das maiores gestoras de investimento do mundo, Larry Fink recentemente recuou publicamente do uso da sigla ESG, alegando que a denominação se tornou excessivamente politizada e polarizadora. Na carta aos investidores do começo do ano, a sigla nem foi mencionada, apesar do fundo continuar com suas metas e princípios de sustentabilidade. Em 2020, a sigla apareceu 26 vezes.
O buraco é um pouco mais embaixo. “Sob novas condições de temperatura (vivemos tempos de emergência climática) e pressão (observa-se maior interesse das sociedades), o movimento anti-ESG instalado nos EUA adota a mesma lógica de defesa de interesses dos seus antepassados. É uma contraofensiva das empresas ligadas a estados republicanos produtores de petróleo que andam incomodadas com a força crescente das energias renováveis na transição energética”, explica Ricardo Voltolini, conselheiro e CEO da Ideia Sustentável.
Segundo um levantamento do HSBC, os fundos americanos em geral estão menos engajados no assunto. O banco entrevistou funcionários de 292 gestoras ao redor do mundo em 2023. Menos de 25% dos entrevistados nos EUA afirmaram que sustentabilidade era prioridade. Em 2022 eram 37%. Para 44%, a sustentabilidade perdia força.
O resultado é uma distorção interpretativa. “O ESG virou um Fla-Flu ideológico com os democratas. Passou a ser causa de esquerda. Sua pauta de clima, diversidade e justiça social tornou-se bandeira do chamado capitalismo woke”, afirma Voltolini.
Como disse Paul Polman, ex-CEO da Unilever, em recente passagem pelo Brasil, a atual crise planetária é “de ganância”. Liliane Rocha desabafa: “Impossível pensar que, em 2024, após tantas catástrofes e crises envolvendo grandes empresas, com tantas derrocadas pormá governança, após uma pandemia com impactos globais, o único interesse das empresas está no negócio, desconsiderando transparência, accountability, equidade e responsabilidade corporativa”.
Há esperança
Na outra ponta, há uma rota estabelecida. Na Europa e no Brasil as regulamentações se tornam mais rígidas para evitar práticas de greenwashing e garantir uma abordagem mais transparente e responsável para os investimentos. Tanto que o estudo “A governança corporativa e o mercado de capitais”, do ACI Institute, da KPMG, mostra que 76% das companhias brasileiras divulgaram informações referentes ao tema em seus formulários. Um crescimento de 12%.
Como pontuou Fabio Barbosa, CEO da Natura & Co.: “Por convicção, conveniência ou constrangimento, as empresas que não se ajustarem ao novo contexto de mundo se tornarão irrelevantes”.