Dispositivos que captam sonolência e mudanças de rumo em ônibus e caminhões poderiam reduzir até 60% dos casos se adotados no Brasil
É como se um novo cinto de segurança de três pontas surgisse, mas sua importância para a segurança dos motoristas seguisse ignorada em quase todo o mundo – e principalmente no Brasil. Essa comparação pode mensurar a importância dos novos dispositivos que detectam a fadiga e sonolência de condutores, emitindo alertas que evitariam acidentes graves.
Dados da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), em parceria com a Academia Brasileira de Neurologia (ABEN) e o Conselho Regional de Medicina (CRM), mostram que 42% dos acidentes estão relacionados ao sono e 18% por fadiga. Somados, 60% dos dramas que os brasileiros vivenciam nas ruas e rodovias poderiam ser evitados caso a prevenção fosse adotada como política pública, mediante a exigência que os dispositivos viessem de fábrica ou que empresas as adotassem em massa.
O Brasil é dependente do modal rodoviário, representando mais de 60% de toda a movimentação de cargas. Neste cenário, se inclui o baixo investimento em melhorias da infraestrutura das estradas, além do envelhecimento da frota e erros humanos. O custo anual estimado dos acidentes ocorridos em rodovias federais no país chegou a R$ 12,19 bilhões em 2021. A prática das transportadoras para contenção das perdas é a transferência de riscos para as seguradoras – que veem seus prejuízos evoluírem a cada ano. A busca de soluções tecnologias é incipiente. Há mais preocupação com o roubo de veículos e cargas do que em evitar acidentes. Prevenir nunca foi a tônica.
Por isso, é preciso mudar de paradigma – termo que transita entre o motivacional e o disruptivo, só para usar terminologias corporativas da moda. O segmento automotivo pode elevar seu patamar de segurança e reduzir prejuízos dos clientes com soluções já existentes. Criados pela australiana Optalert e pelas brasileiras Marpress e Maxtrack, as soluções estão nas prateleiras.
Os dispositivos da Optalert foram adotados nos gigantescos caminhões de minério da Vale e da Usiminas. E devem chegar aos veículos de passeio a partir deste ano, graças a uma negociação entre com grandes montadoras da Europa.
São óculos inteligentes que por enquanto previnem acidentes em áreas perigosas, como minas, captando sinais de cansaço ao medir a velocidade de movimento das pálpebras do operador em até 500 vezes por segundo. Com o sistema saindo direto da fábrica, o dispositivo faria um reconhecimento ocular do motorista, alertando o condutor a parar o trajeto ou emitindo um sinal para uma central de monitoramento. No caso de um veículo de passeio, os registros de alerta serviriam até para impedir o pagamento de um seguro, já que o responsável não acatou as orientações.
Já a Marpress, que também desenvolveu seu sensor de fadiga e distração LifePress, que é semelhante a uma câmera GoPro. O sofware acoplado rastreia a íris e faz reconhecimento facial, detectando sono e distração, como olhar para o celular. Segundo a empresa, o equipamento é útil para frotas e veículos pesados em obras de grande porte, o que exige atenção redobrada.
GPS
Fabricante de rastreadores, a Maxtrack seguiu com a expertise advinda do uso do GPS. Um sensor combina dados sobre os movimentos do veículo, a estrada à frente e o nível de atenção do condutor. Nos caminhões, há um computador de bordo com câmera interna e luz infravermelho, além de um autofalante e buzzer para emitir alertas e recomendações em tempo real.
Estudo da corretora MDS Consultores de Seguros e Riscos apontou que 67% dos acidentes envolvendo transporte de cargas estão relacionados de alguma maneira a falhas humanas e de processos, sendo que 56% dos prejuízos foram originados de tombamento, capotagem e colisão devido a fatores como velocidade incompatível com o trecho, fadiga, distração, imperícia e desrespeito às leis de trânsito e normas de segurança.
Apesar de ser uma tecnologia relativamente nova para a maioria dos operadores, a Optalert estuda maneiras de adaptar o dispositivo à produção global. A intenção é que, em larga escala, a adesão reduza o preço geral a ponto de não afetar os veículos pesados, agregando valor até estar acessível aos veículos de passeio. Com as negociações na Europa, a adoção no Brasil pode ser impulsionada pela oportunidade de um negócio que de reboque evitaria perdas de bilhões de reais.
“É uma tecnologia que pleiteamos adaptar para a indústria automobilística – a começar com a europeia, pois já provou que reduz drasticamente os acidentes com a detecção da fadiga. Nossa meta é agregar valor ao mercado, que segue uma padronização de segurança viária que compactuamos”, afirmou Sidnei Canhedo, gestor da Optalert na Austrália. Se apenas uma fração das mortes e prejuízos forem evitados, já valerá todo o esforço.