O procurador-geral da República, Augusto Aras, disse anteontem que a Operação Lava-Jato, apenas no Paraná, tinha dados de 38 000 pessoas investigadas. Se verdadeiro, esse é um volume que parece exagerado. Afinal, seria uma média de 22 novos nomes entrando na lupa dos procuradores a cada dia útil de março de 2014 até hoje.
O total de investigados parece aumentar quando lembramos que cerca de duzentas pessoas foram condenadas. O placar não mente: 38 000 contra duzentas? Ou há condenados de menos ou investigados demais. Um dos números deve estar errado.
Antes de mais nada, é preciso reconhecer a importância desta iniciativa no combate à corrupção no Brasil. Foram condenados políticos que tinham abusado da sensação de impunidade e que, com seu comportamento, zombavam de quem espera ver do Brasil um país honesto, íntegro e respeitável.
Ainda que se preze as boas intenções dos procuradores que trabalharam para condenar os corruptos, vê-se, já há algum tempo, que algumas medidas da Operação poderiam ter sido tomadas com maior prudência, mesmo que isso custasse mais algum tempo na captura dos bandidos.
Em 2018, num evento em Nova York, pela ocasião da escolha do “Homem do Ano” pela Brazilian-American Chamber of Commerce, participei de um debate com o então juiz Sérgio Moro. Ele, que seria o homenageado do ano pela Câmara, deu palestra seguida de sessão de perguntas e respostas para convidados do Bank of America.
Enderecei, então, uma questão ao homenageado:
– Olhando em retrospecto para a Lava-Jato, que teve inúmeras conquistas, é possível dizer que exageros foram cometidos? O senhor faria hoje alguma coisa diferente do que fez num passado recente?
Moro apertou os olhos em minha direção e deu uma resposta longa, enfatizando no início que “reclamar de exagero é um comportamento padrão dos advogados de defesa”. Ao final, vaticinou que “não havia nenhum inocente preso”. Quando começou a ouvir a pergunta seguinte, pediu um tempo e virou-se novamente para mim. E afirmou: “Eu faria uma coisa diferente do que eu fiz. Ou eu não daria entrevista nenhuma ou falaria muito mais com a imprensa”. Em seguida discorreu sobre a necessidade de se explicar melhor certos procedimento da Força-Tarefa que não teriam sido entendidos pela grande maioria da sociedade.
Se o dado sobre os 38 000 investigados fosse de domínio público Moro certamente seria questionado sobre o assunto durante a sabatina em Nova York: por que averiguar tanta gente?
Os leigos têm a impressão de que os procuradores, em um determinado momento, começaram a buscar a esmo por culpados, seguindo somente a intuição ou a antipatia em relação a este ou aquele personagem. Infelizmente, neste processo, algumas reputações foram massacradas e direitos individuais ignorados.
Acusa-se Moro de ter atuado nas duas pontas – como magistrado e como integrante da equipe de acusação, coisa que o ex-juiz sempre negou. Curiosamente, porém, a percepção popular é justamente a qual o ex-ministro nega. E foi exatamente esse discernimento que fez dele um nome conhecido nacionalmente e ligado ao combate implacável à corrupção.
Tal fama o tornou material político precioso. Não foi à toa que o presidente Jair Bolsonaro o chamou para integrar o Ministério de seu governo após a vitória nas urnas em 2018. Uniram-se, naquele momento, duas correntes políticas fortes: o lavajatismo e o bolsonarismo. Os elos dessa ligação, no entanto, foram rompidos em abril deste ano, quando Moro pediu demissão e acusou Bolsonaro de interferência em sua pasta.
Esses dois grupos políticos, hoje, trocam farpas diariamente pelas redes sociais. Um exemplo disso foi a hashtag TodosContraLucianoHuck, criada ontem, depois que o apresentador da Globo saiu publicamente em defesa do youtubber Felipe Neto, que vem sendo assediado pelos governistas. Houve postagem maciça de fotos com Huck e políticos acusados de corrupção, como Aécio Neves, Sérgio Cabral e Luiz Inácio Lula da Silva. Além desses, Sérgio Moro aparece em inúmeros posts.
Não deixa de ser irônico. Moro colocou Lula na cadeia e nada tem a ver com o ex-presidente. Mas ambos tiraram fotos com Huck e isso basta para seus detratores. Um motivo fútil? Sem dúvida. Talvez tão fútil quanto os que motivaram o pedido de informações sobre 38 000 pessoas escolhidas aleatoriamente entre os 220 milhões de brasileiros.