Quando a pandemia do coronavírus tomou conta do Brasil, um ano atrás, o então ministro da Saúde surgiu como um alento em meio a tanta incerteza e medo. Com um tom de voz convincente e muita segurança, Luiz Henrique Mandetta ganhou instantaneamente um espaço enorme entre os meios de comunicação e foi alvo e inúmeros elogios. Neste momento, ganhou a antipatia do presidente Jair Bolsonaro, com quem discordava em vários pontos, e foi churrasqueado lentamente em praça pública.
Embora gozasse de ampla simpatia da população brasileira, Mandetta é autor de dois pecados capitais neste período inicial do cenário pandêmico: a frase “fique em casa”, que retardou a internação de um contingente gigantesco de pessoas que precisariam de auxílio médico, e o ataque gratuito a uma rede de hospitais, que testava então um protocolo diferente com o único propósito de salvar vidas.
O ministro foi trombando com Bolsonaro até que sua saída do governo foi inevitável. Do lado de fora, imediatamente se colocou como um possível candidato à sucessão presidencial no ano que vem. E ontem, segundo o site Antagonista, recebeu o sinal verde de seu partido, o DEM, para extraoficialmente fazer sua candidatura ganhar as ruas.
Na prática, a decisão do partido de não deixar Mandetta ficar em casa é uma espécie de test-drive. Se agradar, poderá brincar de pré-candidato até às primárias da agremiação. Caso contrário, será levado ao ostracismo pelos dirigentes de sua sigla. Há um obstáculo a ser superado para que o ex-ministro de fato bote o bloco na rua: fazer as pazes com ACM Neto, que foi fustigado por Mandetta no episódio que elegeu Arthur Lira à presidência da Câmara (a decisão do partido de liberar o voto de seus deputados e desembarcar do alinhamento à candidatura de Baleia Rossi, defendida por Rodrigo Maia).
Caso o sobrinho de Luiz Eduardo Magalhães concorde com a pré-candidatura, o ex-ministro poderá viajar o país e vender o seu peixe durante um momento em que uma parte significativa do país se mostra insatisfeita com a condução do governo federal no combate à pandemia. Portanto, o timing é interessante: um candidato que vai alfinetar sistematicamente Bolsonaro com conhecimento de causa em um ponto que pode ser considerado o calcanhar de Aquiles da atual administração.
Na condição de ex-ministro da Saúde, Mandetta pode explorar a oposição a Bolsonaro, uma vez que saiu do Ministério esbravejando, e o seu conhecimento técnico para apresentar as fragilidades da estratégia adotada pelo general Eduardo Pazuello, atual titular da pasta.
Mas vamos supor que a vacinação ganhe maior velocidade a partir de agora, quando os insumos para a fabricação de imunizantes começam a chegar em um ritmo frequente do exterior. Caso essa velocidade aumente, especialmente com a colaboração do capital privado, pode-se chegar à imunidade de rebanho ainda em 2021.
Se a pandemia deixar de ser um grande assunto na imprensa – assumindo que as novas cepas não tenham um efeito devastador e possam ser tratadas pelas vacinas atuais – como ficaria a candidatura de Mandetta? Afinal, o ex-ministro tem como apelo apenas uma grande característica: ser um médico de oposição, que tem propostas divergentes das do governo para lutar contra a Covid-19.
Mandetta precisa rapidamente ganhar desenvoltura em outros assuntos importantes para o eleitorado brasileiro. Caso contrário, pode virar um candidato de uma nota só – e vimos recentemente, com Marina Silva, que esse tipo de abordagem não dá certo nas urnas.
Se a pandemia estiver controlada em 2022, faz sentido para Mandetta insistir em sua candidatura? Talvez não. Se estivermos no ano que vem preocupados com a recuperação econômica, por exemplo, uma candidatura cujo apelo maior é a causa sanitarista será algo viável? A resposta negativa parece ser a melhor alternativa. Por isso, possivelmente o melhor caminho para o ex-ministro seja se acomodar na vice-presidência de uma chapa oposicionista. Opções existem. Mas um nome verdadeiramente competitivo para 2022 ainda não surgiu.