Não se pode dizer que Valdemar da Costa Neto seja um conservador histórico. Afinal, ele já foi aliado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu primeiro mandato. Mesmo assim, Valdemar comanda a sigla que abriga o ex-presidente Jair Bolsonaro e que se transformou no epicentro do conservadorismo. Maior agremiação política do país, o PL é aquele que mais recebe recursos do fundo partidário – somente em 2024, os liberais vão receber R$ 863 milhões para ajudar nas despesas das campanhas de candidatos a prefeito e a vereador.
O grande salto do partido foi dado na última eleição, quando elegeu quase cem deputados federais – o principal indicador para calcular a fatia a ser recebida do “fundão”. Para se ter uma ideia do crescimento exponencial da verba a ser manipulada pela legenda, em 2018 o PL obteve R$ 117 milhões do fundo partidário.
Essa dinheirama atraiu interesse por parte da classe política. E, hoje, se comenta na Executiva do partido que boa parte dos pré-candidatos a vereador (e alguns a prefeito) não se identifica com as propostas conservadoras da sigla. Estariam nesse barco apenas pela possibilidade de obter uma bolada em recursos eleitorais.
Para tentar frear a diluição das propostas partidárias, Valdemar decretou, nesta semana, o seguinte: seus filiados não poderão apoiar candidatos de outras agremiações em cidades nas quais o PL tiver um nome próprio na cédula. Em reação, houve uma gritaria dentro da base de militantes – e ninguém acredita na eficácia dessa medida.
Valdemar lida com um problema antigo no Brasil – a diversidade ideológica dentro das siglas. Mesmo dentro do PT, várias correntes de esquerda convivem diariamente, embora se unam facilmente em torno do combate às propostas de direita.
Na época do governo militar, havia o bipartidarismo. Mas, mesmo dentro das siglas, víamos uma variação enorme de visões políticas, com moderados e radicais convivendo entre si. Em 1979, por exemplo, o então ex-governador Miguel Arraes voltou do exílio por conta da Lei da Anistia. E quis se filiar à sigla de oposição. Os moderados da legenda, com Tancredo Neves à frente, resistiram à adesão. Ulysses Guimarães, então, costurou um acerto e o político pernambucano assinou a ficha. Mas Tancredo (que compareceu à cerimônia de filiação) afirmou à imprensa na época: “Fui levar a Miguel Arraes o meu apreço ao homem público que nunca disfarçou nem ocultou suas convicções e em razão delas curtiu um exílio de quase 16 anos. Acontece, porém, que o MDB do senhor Miguel Arraes não é o meu, e nem o meu MDB é o MDB do senhor Miguel Arraes. Ambos sabemos disso muito bem”.
Alguns anos depois, Tancredo saiu da sigla e fundou o PP, levando moderados da oposição e da situação consigo. Mas, quando surgiu a oportunidade de lançar-se candidato à presidência pelo voto indireto, em 1985, não teve dúvidas: fez o caminho de volta e fundiu sua sigla com a de Ulysses. E levou a presidência no Colégio Eleitoral, derrotando a ditadura militar em seu próprio território.
Mas idas e vindas que relevam rusgas do passado e diferenças de pensamento são uma constante na política – assim como a falta de densidade ideológica dos representantes partidários. O caso de Martha Suplicy exemplifica bem esse fenômeno. Filiada ao Partido dos Trabalhadores desde 1981, foi deputada federal, prefeita de São Paulo, senadora e ministra.
Renunciou ao ministério e, depois de alguns meses, saiu do PT em abril de 2015, filiando-se ao PMDB (que retornou ao seu nome de origem, MDB). As razões apresentadas para a desfiliação foram a insatisfação com os casos de corrupção do partido e uma discordância com a política econômica praticada pelo governo.
No PMDB (ou MDB), Martha defendeu o impeachment de Dilma Rousseff, candidatou-se à prefeitura de São Paulo e foi uma das mentoras da inclusão de Ricardo Nunes como vice-prefeito na chapa de Bruno Covas. Em 2021, assumiu a secretaria de Assuntos Internacionais da prefeitura. Mas, em janeiro deste ano, retornou ao PT para ser candidata a vice-prefeita na chapa de Guilherme Boulos.
Se tivéssemos partidos com maior consistência ideológica, talvez o fisiologismo político pudesse perder boa parte de sua força. Além disso, o montante de militantes partidários poderia crescer de forma expressiva. Hoje, temos 15,7 milhões de filiados a partidos no Brasil, pouco mais de 7 % do total da população. É pouco para uma nação que precisa sair da eterna condição de país em desenvolvimento.