Um dos piores xingamentos que se pode fazer a um americano não carrega em si tem nenhum palavrão. Trata-se de “loser” (perdedor, em inglês). Esse adjetivo, dito em tom de desprezo, é uma afronta usada a granel em várias situações de bullying e mostra que, na Terra do Tio Sam, perder é uma espécie de pecado capital moderno. Como disse o escritor George Orwell, a história é contada pelos vencedores, que também moldam a cultura de seus países. No caso dos Estados Unidos, competir com gana é algo que a maioria da população faz – seja pelo impulso de vencer, seja pelo pavor de perder.
A apuração ainda corre no início desta manhã do dia 4 de novembro e o resultado está indefinido. Mesmo assim, o presidente Donald Trump diz que venceu (disposto, inclusive, a ir à Suprema Corte para garantir a vitória), mostrando que não quer saber de fracasso.
Ser derrotado em uma eleição presidencial americana significa basicamente encerrar sua carreira política. Casos como o de Luiz Inácio Lula da Silva, que encarou duas derrotas antes de ser vitorioso nas urnas simplesmente não existem nos EUA. Se um candidato perder um pleito, passa à galeria dos personagens que serão esquecidos pela História — a exceção que confirma a regra é Richard Nixon. Conseguimos até lembrar de alguns desses derrotados, como Al Gore. Mas talvez essa lembrança tenha mais a ver com o contexto dessa eleição (a controvérsia em relação à contagem de votos no estado da Flórida, então governado pelo irmão do candidato republicano George W. Bush) do que com o postulante democrata.
Responda rápido: quem foi o candidato democrata que perdeu de Ronald Reagan em 1984? E o republicano que não passou por Bill Clinton em 1996? Por fim: qual foi o oponente despachado por Nixon em 1968? As repostas, respectivamente, são Walter Mondale, Bob Dole e Hubert Humphrey.
A aversão à derrota deve também explicar porque há tantos maus perdedores na política americana.
Um exemplo disso é o comportamento de Richard Nixon antes de ganhar seu primeiro pleito. Ele havia sido vencido por John Kennedy em 1960 e, dois anos depois, tentou sem sucesso ser governador da Califórnia. Em uma entrevista coletiva, reconhecendo o triunfo de seu oponente, destilou amargura aos repórteres: “Por dezesseis anos, vocês se divertiram muito. E, enquanto eu me retiro, imaginem o quanto vocês vão sentir falta de mim. Afinal, vocês não terão mais Nixon para atacar” (Em 1968, no entanto, Lyndon Johnson desistiu de concorrer à reeleição. Houve um vazio eleitoral e Nixon foi lembrado. Ele é o único exemplo, nos Estados Unidos, de candidato presidencial derrotado em uma eleição que conseguiu obter a vitória em outro pleito).
Nixon dirigiu sua raiva aos jornalistas. Já o candidato ao Congresso Gary Smith, em 2012, quis extravasar seu ódio de forma bem mais concreta. Muitos dos nomes da petição na qual eleitores pediam sua candidatura foram considerados nulos e, por isso, acabou perdendo a indicação pelo Partido Democrata. Smith ficou possesso e foi pego, pelo sistema de câmeras de segurança, furando os pneus do carro do candidato vencedor. Detalhe: isso ocorreu dentro da casa de seu oponente.
Outro mau perdedor típico é o democrata Anthony Weiner, cuja carreira acabou por conta de um escândalo envolvendo o envio de fotos de nudez pelo celular. Mas, em 2013, Weiner queria ser candidato à prefeitura de Nova York, obtendo apenas 4,9 % dos votos nas primárias do partido. Ele fez um discurso reconhecendo o insucesso e saiu de seu comitê eleitoral ignorando as perguntas dos repórteres. Quando estava dentro do carro, com o vidro fechado, levantou o dedo do meio para os profissionais de imprensa.
Saber perder é uma arte e algo que só vem com a maturidade. Trata-se de uma capacidade típica de quem possui inteligência emocional e supera o amargor da perda com dignidade. Tentar evitar a derrota é admirável, mas deixar de digeri-la pode até trazer problemas ao espírito e ao corpo. Entender nossos erros e compreender porque não tivemos sucesso é crucial para evoluirmos. Mas só se consegue fazer isso quando se é um bom perdedor.