Um dos maiores símbolos do liberalismo e crítico contumaz da esquerda, o economista Roberto Campos dizia que “para os socialistas, o fracasso é apenas um sucesso mal explicado”. Após as eleições municipais, quando a esquerda viu o número de seus prefeitos minguar de 25% para 13%, muitos ideólogos esquerdistas se recusaram a enxergar o resultado negativo revelado pelo pleito de 2024 – e alguns, inclusive, tentaram transformar uma derrota inquestionável em êxito incompreendido.
Nos últimos dias, contudo, três nomes importantes do petismo vieram a público para reconhecer (alguns) erros cometidos na última campanha eleitoral. O primeiro foi o ministro Alexandre Padilha. “O PT não saiu ainda do Z4 que entrou em 2016 nas eleições municipais”, criticou. Já o professor de ciências políticas da Universidade de São Paulo, André Singer, deu ontem uma entrevista à “Folha de S. Paulo” na qual afirma que a esquerda precisa entender melhor as mudanças sofridas pela sociedade. “A proposta principal da esquerda é que o Estado deve agir para beneficiar as camadas populares. No entanto, pode estar em curso uma transformação dentro dessas camadas, por meio da qual certos setores enfrentam necessidades específicas que exigem um desdobramento dessa concepção geral”, disse ele, que já foi porta-voz do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Por fim, o prefeito de Araraquara, Edinho Silva (imagem), também fez algumas concessões à tese de que os candidatos esquerdistas precisam mudar o discurso e “entender essa conjuntura complicada para saber como se reverte o cenário”. Ele, que é cotado para suceder Gleisi Hoffmann na presidência do PT, foi além. “[É preciso] se aprofundar mais para compreender essa movimentação da juventude que no passado teve o PT como referência e que agora não tem mais. Temos que trazer de volta essa parcela da sociedade. Ela já disse isso para nós em 2018, em 2020, em 2024. Então ela já não está dizendo, está gritando. Nós temos que parar e ouvir”, afirmou em entrevista ao jornal “O Globo”.
Singer também chamou atenção para a evolução dos conceitos da sociedade. “Pode haver uma transformação em camadas que não são exatamente as de base, mas que, de fato, querem o que eu chamaria de uma especificação do discurso ou dessa concepção geral. […] Essa transformação pode ter encontrado expressão em uma candidatura como a de Pablo Marçal”, interpretou o professor.
Ao mesmo tempo que admitem a necessidade de mudar, os dois ideólogos da esquerda continuam a defender as escolhas de Lula – especialmente a candidatura de Guilherme Boulos para representar a esquerda no pleito paulistano. “Foi um acerto lançar o Boulos. Nessa nova geração, ele talvez seja a maior liderança de esquerda. E o Boulos não ganhou porque a reeleição está institucionalizada”, justificou, deixando de lado a informação de que o candidato ganhou em apenas 3 das zonas eleitorais de São Paulo.
A saída estaria em trabalhar os conceitos exaltados por Marçal, como prosperidade e empreendedorismo? Para Singer, esse não é o caminho. “Adotar o discurso do empreendedorismo propriamente dito seria um erro, pois, em última análise, esse discurso tem como fundo um combate ao Estado – algo que não seria viável para a esquerda”, cravou.
Como se pode ver, a ficha ainda não caiu totalmente no Partido dos Trabalhadores – e talvez nunca vá cair. No fundo, é uma questão de modelos que se antagonizam. Um defensor do socialismo jamais irá pensar como alguém que abraça o capitalismo, e vice-versa. Nessa discussão, podemos voltar a Roberto Campos, que explicou magistralmente essa diferença. Talvez ele tenha matado a charada relacionada a esse assunto quase três décadas atrás, ao proferir a seguinte frase: “No socialismo, as intenções são melhores que os resultados; no capitalismo, os resultados melhores que as intenções”.