A contundente nota lançada pelo diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, forçando uma retratação do presidente da República sobre os ataques e suspeitas até agora infundados contra o órgão que aprovou a vacinação infantil fazem o regozijo dos críticos de Jair Bolsonaro. Barra Torres é cirurgião vascular, contra-almirante da reserva – posto equivalente ao de general de brigada – e tem mandato na agência até 21 de dezembro de 2024. A nota emitida pelo seu gabinete pode até sugerir que os militares se voltam contra Bolsonaro, esvaziando o poder do ministro da Saúde, o também médico Marcelo Queiroga. Não deve ser bem assim.
Otimista que sou, dessa vez vejo o episódio pelo lado do copo meio vazio. Bolsonaro pode até ser contornado, mas não confrontado enquanto estiver envergando a faixa presidencial. Ele tem a caneta. Mesmo se fosse almirante de esquadra vencedor do Nobel de Medicina durante uma campanha militar contra uma sanguinária guerrilha maoísta, Barra Torres está no extrato de baixo da hierarquia do Executivo e da voraz cadeia alimentar do bolsonarismo. Por isso, mesmo com mandato legal, pode ser escanteado por alguma manobra.
O certo é que esse inútil confronto com o chefe executivo surge justamente em um momento que a pandemia mostra sinais de entrar em uma terceira onda, com o crescimento de casos provocados pela variante ômicron – menos fatal, porém mais transmissível -, surge a dupla infecção flurona e a esperada vacinação infantil está para começar. Sem contar o apagão de dados que atinge o ministério. Só para constar, enquanto o presidente afirma desconhecer mortes de crianças na pandemia, contraindicando na base do palpite a imunização desse grupo, o Ministério da Saúde registrou 304 pequenas vítimas fatais desde março de 2020.
Há razão na atitude de confronto de Barra Torres. A vida dele e do pessoal da Anvisa não está fácil. Pressão, ameaças, vazamento de dados de servidores e um ministro da Saúde que cria endossos aos negacionismos presidenciais (“Vou com ele. Vamos passear”, disse Queiroga ao diretor da Organização Mundial de Saúde, a OMS, Tedros Adhanom, sobre um eventual processo no Tribunal Penal Internacional). Mas e se no lugar de Barra Torres surgir algum cortesão submisso e incompetente, da estirpe de Eduardo Pazuello?
Justo agora que os dados do Ministério da Saúde e da OMS indicam que 67,45% dos brasileiros (143,88 milhões) estão completamente imunizados, outros 10,59% (22,6 milhões) ganharam uma agulhada e o reforço foi ministrado em 7,25% (15,47 milhões) – tomo minha terceira na segunda-feira (10)? Seria por demais arriscado um abalo institucional em uma das principais agências sanitárias do mundo durante a maior crise do século, quando as crianças estão para serem vacinadas e está em avaliação se a CoronaVac pode ser ministrada para crianças até 3 anos. Falta pouco para o Brasil atingir os 80% de população atendida (170,64 milhões), marca considerada até há pouco o índice necessário para brecar o coronavírus. Há problemas, claro. Só na cidade de São Paulo, quase 800 mil deixaram de lado a segunda dose. E é impossível determinar o que virá depois da ômicron. Por isso, o médico almirante poderia ter pensado mais nas criancinhas e segurado essa barra até sua missão estar mais próxima de uma elogiável conclusão. Afinal, militares em campanha estão aí para aguentar os maiores desafios, lutando pela vida dos brasileiros. Pátria acima de tudo. O resto deveria ser apenas mimimi.