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A jornada arqueológica do usuário

Com a localização do Quilombo Saracura na futura Estação Vai-Vai, o Metrô bem que poderia aproveitar

Para começo de conversa, não se tratam das ruínas de Pompeia, uma Akrotíri ou as catacumbas de Paris. Mesmo assim, a descoberta de sítios arqueológicos ao longo da abertura da nova Linha 6-Laranja do Metrô, em São Paulo, não pode ser tratada com o descuido que desejam os afoitos. Calma que até dá para valorizar futuros empreendimentos e criar uma cidade mais acolhedora com alguns cacos de cerâmica, vestígios de fundações e ossadas preservadas, tudo bem embalado em uma história bem contada. Tipo a jornada do cliente, a experiência. Funciona em outros lugares. E era algo esperado, afinal os trabalhadores da empreiteira Acciona estavam abrindo túneis regiões das mais antigas de São Paulo quando se depararam com o que parecem ser os vestígios do quilombo Saracura, uma das maiorias aglomerações urbanas do povo negro na maior cidade brasileira. O quilombo não era um centro de resistência armada, uma Palmares, mas foi no século XIX um local para onde africanos e seus descendentes iam quando libertos ou fugidos. A partir dali, batalhavam algum sofrido ganha-pão.

Era sabido que o quilombo ficava por ali e que estava à beira do córrego de mesmo nome, que hoje segue canalizado para o centro, desaguando perto da atual Praça da Bandeira no riacho Anhangabaú. A ironia ou sorte é que o ponto exato parece ser a antiga quadra da escola de samba Vai-Vai, na Praça 14-Bis. Ali será construída uma estação, valorizando aquele trecho da Bela Vista. O movimento negro, historiadores e moradores querem a preservação do que for possível. Um grupo foi criado para acompanhar a retirada dos objetos. Até agora foram resgatados cacos de cerâmica, mas há expectativas. Antes dos imigrantes italianos, aquela parte da cidade era chamada de Pequena África.

Industrialização

Cortando a cidade quase inteiramente por baixo da terra, a Linha Laranja vai ligar a Brasilândia, na Zona Norte, com a estação São Joaquim, perto da Liberdade, na região central. O trajeto terá 15 estações e 15 quilômetros cortando alguns bairros antigos e densos, como Consolação, Pacaembu, Perdizes, Pompeia e Água Branca. Uma empresa contratada, A Lasca, faz as avaliações. Foi encontrado material em outros oito locais, no sentido leste-noroeste: São Joaquim, Sesc Pompeia, Água Branca (dois pontos), Santa Marina, Sara de Souza, Tietê e Freguesia do Ó.

Além do quilombo Saracura, ligado aos ex-escravizados, os demais pontos parecem conectados à industrialização da cidade, ocorrida entre o final do século XIX e a primeira do XX ao longo da ferrovia que parte da Luz para o interior. Quase 35 mil itens estão sob análise do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). São peças e fragmentos de utensílios e mobiliário vindos de cerâmicas, olarias e vidrarias. Os itens do Saracura ainda não foram devidamente escavados, pois é preciso escorar toda a área para evitar desabamentos. Dois novos pontos foram identificados nas proximidades, o que anima os integrantes do movimento Saracura Vai-Vai, que defende a preservação dessa história. A reivindicação precisa ser vista como um jogo de ganha-ganha pelas autoridades. Se essa memória for preservada dentro uma estação, como as que ficarão por um bom tempo com concessionária Linha Uni, ganha a cidade. Nem tudo ficar em museus. É só querer, só pensar na jornada, na experiência.

Fragmentos retirados de sítios na Zona Oeste

 

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