No mundo da publicidade, há alguns anos, existia um trâmite normal para se fazer uma campanha. A área de planejamento de uma agência ouvia o briefing do cliente e fazia algumas pesquisas de mercado para entender melhor suas necessidades. Com base nisso, elaborava um documento que era enviado à criação. Mas, às vezes, os redatores apareciam com uma ideia genial, mesmo sem briefing ou insights do planejamento. O que acontecia? A área de planejamento estudava a ideia e criava uma narrativa que retroativamente justificaria a campanha. E, se cliente gostasse, todos viviam feliz para sempre. Evidentemente, não são todas as agências que trabalham assim e nem sempre o final dessa aventura era feliz.
Esse malabarismo de se criar uma narrativa retroativa guarda semelhanças com o que aconteceu hoje no Supremo Tribunal Federal, na sessão da Segunda Turma na qual o ex-juiz Sergio Moro foi considerado suspeito no processo julgado em Curitiba sobre o apartamento triplex no Guarujá. Com essa decisão, que ainda precisa ser corroborada pelo plenário do STF, as condenações de Luiz Inácio Lula da Silva foram anuladas e os processos não devem ser julgados pela corte de Brasília, como pretendia o ministro Edson Fachin.
Os magistrados que votaram a favor da suspeição sabiam que não poderiam basear suas decisões no conteúdo hackeado das conversas entre Moro, promotores e agentes no aplicativo Telegram. Como essas provas foram obtidas ilegalmente, fizeram um esforço para encontrar no passado elementos que pudessem corroborar a versão de que o ex-ministro fora parcial em seus julgamentos. Um exemplo disso foi o vazamento do áudio da conversa entre os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, além de casos de condução coercitiva sem amparo legal.
Mas, claramente, esses juízes usaram os elementos vistos nos arquivos hackeados como o guia mestre para tomar suas decisões. Curiosamente, a parcialidade de Moro era um segredo de Polichinelo. Todos nós sabíamos que o ex-juiz tinha um lado claro neste processo. Sua enorme popularidade, inclusive, veio justamente da percepção popular de que ele estava ao lado dos promotores e dos policiais federais. Esse comportamento tendencioso, quando revelado, o colocou na berlinda e possibilitou a virada de jogo.
Caso tivesse ficado distante da promotoria, sem trocar mensagens frequentes, e mantido suas convicções, as condenações de Lula jamais teriam sido anuladas. Mas a ansiedade de Moro para que os processos andassem rápido foi o que causou essa derrota.
O caso, agora, deverá ser validado por todo o plenário. Alguém arrisca um palpite? Eu não.