Ex-ministro da Justiça suspeito de participação na tentativa de golpe jurou ser inocente em seu primeiro depoimento. Confira
O depoimento inicial do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, em 14 de janeiro, logo após sua prisão, foi divulgado pela Justiça. Torres se diz inocente da participação nos atos golpistas de 8 de janeiro. Ele tampouco teria nada com a minuta de decreto anulando o resultado das eleições presidenciais. Suas declarações são mais lamentações pessoais do que respostas concretas. Já seu segundo depoimento deveria ser colhido nesta segunda-feira (23), mas foi adiado por falta de autorização judicial. Ele segue detido em um cela no 4º Batalhão da Polícia Militar, no Guará (DF).
– “Essa prisão e essa acusação me pegaram muito de surpresa, a audiência de custódia não é o local de falar nada sobre isso, mas quero dizer que não tenho nada a ver com os fatos“
– “Foi um tiro de canhão no meu peito“
– “Estou num momento em que eu, realmente, vendo ali os tipos penais que estão sendo imputados a mim, são coisas inimagináveis para uma pessoa como eu“
– “Essa guerra que se criou no país, essa confusão entre os Poderes, essa guerra ideológica, eu não pertenço a isso, eu sou um cidadão equilibrado“
– “[…] vários Ministros do Supremo Tribunal Federal são testemunhas de que eu fui na casa de vários deles para buscar o equilíbrio“
Leia a íntegra do depoimento
“Aos catorze dias do mês de janeiro de 2023, às 12h30min, por videoconferência, sob a presidência do Magistrado Instrutor do Gabinete do Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Desembargador Airton Vieira, comigo Escrevente ao final nomeado, foi aberta a Audiência de Custódia, nos autos do Inq. 4.923/DF. Cumpridas as formalidades legais e apregoadas as partes, Dr. Anderson Gustavo Torres, acompanhado de seu advogado, Dr. Rodrigo Henrique Roca Pires (OAB/RJ 92.632) e o Promotor de Justiça Dr. André Alisson Leal Teixeira, membro auxiliar do Gabinete do Procurador-Geral da República, em nome da Procuradoria- Geral da República.
O Magistrado Instrutor circunstanciou os temas da audiência de custódia, ressaltando que o caso se trata de prisão preventiva, cujo cumprimento se deu em 14/1/2023, não havendo ingresso, na hipótese, no mérito da ordem de prisão. Assim, quaisquer outros requerimentos que escapem ao âmbito da audiência de custódia devem ser remetidos ao Ministro Relator.
Pelo(a) MM. Magistrado Instrutor foi dito: O advogado presente, instado a se manifestar, consignou que, de forma prévia, teve oportunidade de conversar com o seu cliente de forma reservada, dispensando, neste momento, nova conversa privada.
Pelo(a) MM. Magistrado Instrutor foi dito: Indagado às perguntas de praxe, o depoente respondeu: Anderson Gustavo Torres (CPF […]), filho de João Torres Filho e Amélia Gomes da Silva Torres, brasileiro, natural de Brasília/DF, nascido em 25/9/1976, casado, possui 3 (três) filhos (Ana […], 13 anos, Ana Carolina […], 11 anos e Ana Paula […], 9 anos), casado com Michele Sampaio Torres, Delegado de Polícia Federal, formado em Direito e pós-graduado, aufere renda mensal média líquida de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), residente em Condomínio Ville de Montagne, […], Lago Sul, CEP 71680-357, Brasília/DF, em imóvel de sua propriedade, não possui outros imóveis, não possui bens móveis, possui conta corrente, não possui veículos em seu nome, sua esposa possui um veículo, não possui vícios ou dependência, não possui doenças crônicas, não faz uso de remédio de uso continuado, uso apenas o Glifage, já foi processado criminalmente, no exercício da profissão de Delegado de Polícia Federal, tendo sido absolvido pela inexistência do fato, inclusive com manifestação do Ministério Público nesse sentido.
Pelo(a) MM. Magistrado Instrutor foi dito: Indagado acerca das circunstâncias da prisão, ocorrida em 14/1/2023 o depoente disse o seguinte: eu quero só dizer que eu sou profissional da segurança pública há 23 (vinte e três) anos, sempre fiz meu trabalho com profissionalismo, nunca fui filiado a partido, ocupei posição política em razão do resultado do meu trabalho e, realmente, essa prisão e essa acusação me pegaram muito de surpresa, a audiência de custódia não é o local de falar nada sobre isso, mas quero dizer que não tenho nada a ver com os fatos, isso foi um tiro de canhão no meu peito, eu estava de férias, umas férias sonhadas por mim e pela minha família, isso foi um tiro de canhão no meu peito, no segundo dia de férias, acontece esse crime horrendo em Brasília e esse atentado contra o país e eu fui responsabilizado por isso. Eu jamais daria condições de isso ocorrer, eu sou profissional, sou técnico e jamais faria isso. O maior projeto de Segurança Pública do Distrito Federal é de minha responsabilidade, DF Mais Seguro, nós temos o menor índice de homicídios da história do Distrito Federal, que é medido há 45 (quarenta e cinco) anos, latrocínio, feminicídio, conseguimos reduzir todos os crimes. Acredito que por isso fui convidado a ser o Ministro da Justiça, cargo que ocupei com muita honra e muita técnica, conseguimos reduzir os homicídios a nível nacional, fizemos a maior quantidade de apreensão de drogas da história do país. Cheguei num momento delicado no Ministério da Justiça, em um momento delicado entre os Poderes, tentei acalmar isso, visitei todos os Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, inclusive o Ministro Relator… Estou num momento em que eu, realmente, vendo ali os tipos penais que estão sendo imputados a mim, são coisas inimagináveis para uma pessoa como eu, então é muito difícil. Peço desculpas, o senhor é o primeiro que está me ouvindo, eu estava nos Estados Unidos e tive essa notícia, tive que vir rápido depois da notícia da minha prisão e da busca e apreensão na minha casa, comprei uma passagem caríssima, tirada do meu salário, não tenho outra renda, e preciso de oportunidade para falar isso, para me defender, para falar que não dei causa aos fatos. Do jeito que eu saí, o que eu deixei assinado, eu deixei tranquilo, porque nem se caísse uma bomba em Brasília teria ocorrido o que ocorreu.
Eu saio todo dia de casa às 7 (sete) da manhã e chego meia-noite, desculpe o desabafo, mas sendo acusado de terrorismo, golpe de Estado?! Pelo amor de Deus, o que está acontecendo?! Eu não sei… Essa guerra que se criou no país, essa confusão entre os Poderes, essa guerra ideológica, eu não pertenço a isso, eu sou um cidadão equilibrado e essa conta eu não devo. Eu peço que essas imagens não saiam daqui. E isso, doutor, não é fraqueza não. Não é não. Isso é o que eu estou sentindo na alma. Eu nunca senti isso, eu nunca fui assim, eu não conseguiria falar como eu cheguei aqui, como eu juntei minha família, em uma coisa que sonhamos anos, mas temos que ir embora porque eu vou ser preso, explodiram tudo lá… Pelo amor de Deus, eu sou Delegado de Polícia Federal, eu sou um cara sério, eu jamais concordaria com esse tipo de coisa. Fora daqui, se a gente tiver oportunidade… vários Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL são testemunhas de que eu fui na casa de vários deles para buscar o equilíbrio. Eu não estou mentindo, eu não sou maluco. Eu lutei para o equilíbrio. O Ministério de Justiça e Segurança Pública foi o primeiro Ministério a entregar os relatórios da transição, eu jamais questionei resultado de Eleição, não tem uma manifestação minha nesse sentido, eu fui o primeiro Ministro a entregar os relatórios. Está aqui o Dr. Rodrigo Roca, que trabalhou comigo, como Secretário Nacional do Consumidor. Imagine que se ele não estivesse comigo, quem estaria? Eu nem tinha previsão de precisar de advogado, de contar com advogado. Eu honrei o cargo de Ministro da Justiça. Não tem um brasileiro no Brasil que não tenha ouvido um monte de loucuras após a Eleição, e eu sempre no equilíbrio. Eu franqueei a Polícia Federal para acesso da nova gestão, inclusive para oficiar em nome da Polícia Federal. Fiz tudo com gentileza, dentro da lei, tudo certo. Eu peço desculpas pelo desabafo, estou falando tudo isso porque eu estou, porque eu não sei como eu estou, há 4 (quatro) dias eu não sei como eu estou…. não sei como consegui juntar minha família e dizer o que eu tive que dizer.
Deus está me carregando. Meus familiares ficaram lá. Graças a Deus eu consegui chegar aqui nesse Batalhão sem maiores estardalhaços. Até 15 (quinze) dias atrás eu era Ministro da Justiça, hoje estou preso. Foi um suplício chegar no Brasil sem problemas, escondido, escondendo a cabeça, foi um negócio horroroso, que nem em pesadelo… Estou em segurança, contei com a gentileza dos Coronéis que me receberam. A minha prisão ocorreu normalmente, não tenho nada do que reclamar. Situação difícil pra eles, eu via no rosto deles, mas eu também deixei tudo transcorrer numa boa. Era isso que eu queria dizer, estou à disposição dos senhores. Fiz o exame de corpo de delito, sem problema nenhum. Eu vim bem no avião, cheguei direto pra cá, não teve outro caminho e estou à disposição dos senhores e do Ministério Público, se os senhores quiserem vir aqui. Eu nunca na minha vida deixei de honrar com minhas obrigações profissionais, seja de forma direta ou de forma indireta. Eu saio de casa 7 (sete) da manhã e volto meia-noite todos os dias. Isso é muito forte dentro de mim. Eu sou uma pessoa correta e isso dói demais. Nós que temos amor pelas nossas coisas, pelo certo, isso dói demais na gente.
Pelo(a) MM. Magistrado Instrutor foi dito: dada a palavra à Procuradoria-Geral da República, o representante da Procuradoria-Geral da República manifestou-se da seguinte maneira: Em observância ao disposto na Resolução 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça, em especial no art. 8°, § 1°, o Ministério Público cinge-se a se manifestar sobre as circunstâncias em que se realizou a prisão. Dessa forma, consoante a própria narrativa do Sr. Anderson Torres, este órgão ministerial manifesta-se pela higidez do ato que efetivou a prisão. Na oportunidade, destaca que é prerrogativa do membro do Ministério Público, no exercício da sua função, receber intimação pessoal em qualquer processo e grau de jurisdição por meio de entrega dos autos com vista (artigo 18, II, h da Lei Complementar 75/1993 e artigo 41, IV, da Lei 8625/1993). Registra-se, ainda, que a Procuradoria-Geral da República não foi previamente intimada para se manifestar sobre a representação da autoridade policial pela prisão preventiva do Sr.. Anderson Torres, apenas sendo comunicada da decisão posteriormente à decretação. Portanto, quanto aos aspectos formais e materiais da decisão que determinou a segregação cautelar, o Ministério Público apresentará sua manifestação oportunamente nos autos do Inquérito 4.923.
Pelo(a) MM. Magistrado Instrutor foi dito: Dada a palavra à Defesa, o Dr. Rodrigo Roca consignou o seguinte: antes de qualquer coisa, eu quero agradecer. A gente infelizmente está vivendo um tempo tão extraordinário, nós temos que agradecer a mera educação, a fineza. A maneira como Vossa Excelência conduziu esse ato, tão simples e tão complexo. A postura de Vossa Excelência, mostrando que a autoridade não precisa de arroubos, de impropérios para ser demonstrada, precisa ser elogiada. Eu estou num misto de sentimentos, eu sou pai, sou amigo, eu fui Secretário, sou amigo e fui testemunha de tudo que o Sr. Anderson falou aqui. Depois de 30 (trinta) anos de forte militância na advocacia criminal, no Estado do Rio de Janeiro, o que dá uma relevância ainda maior, eu nunca tinha visto isso, um homem se desmontar, um ser humano se virar do avesso, com a dor que a gente pode quase tocar. Eu não quero nunca mais testemunhar isso. Eu não vou fazer requerimentos agora, em respeito à Vossa Excelência. Quero consignar que a decisão do Ministro foi ponderada e coerente, porque fez justiça ao quadro que se conhecia até o momento, mas o quadro era de momento e se alterou. Eu gostaria de ponderar à Vossa Excelência, se podemos falar com o Ministro ALEXANDRE DE MORAES, ou mesmo com o senhor, pois a decisão que decretou a prisão acabou criando uma situação de grande iniquidade, não pelo seu conteúdo, mas pelo seus efeitos. Nota-se que o Ministro Relator atribuiu uma responsabilidade maior dos fatos ao Governador do Distrito Federal, e ao ex-Secretário, ora custodiado, o Ministro escreveu que a conduta não era tão grave quanto a do Governador. Por outro lado, para o Governador, o Ministro entendeu que a medida cautelar de afastamento do cargo era suficiente, mas para o ex-Secretário a medida cautelar foi bem mais grave, a prisão preventiva. Ora, a própria decisão, que reconhece a maior responsabilidade do Governador, apenas o afastou do cargo, cria uma injustiça ao decretar a prisão do ex-Secretário, que teve responsabilidade de menor grau reconhecida na própria decisão.
Pelo(a) MM. Magistrado Instrutor foi dito: Aberta a audiência de custódia, constatou-se a desnecessidade de uma entrevista pessoal entre o Dr. Anderson Torres e o Dr. Rodrigo Roca, seu advogado, haja vista que, expressamente, foi dito por ambos que já tinham tido prévia oportunidade para uma conversa acerca dos fatos em análise. Iniciado o questionamento ao custodiado, respondeu ele a todas as perguntas que lhe foram formuladas, após o que teve a oportunidade de se manifestar, como assim constou, inclusive a pedido seu, para uma breve exposição sobre a sua situação. Em seguida, dada a palavra ao Dr. André Alisson, pela Procuradoria-Geral da República, manifestou-se Sua Excelência na forma acima transcrita. Ainda na sequência, dada a palavra ao Dr. Rodrigo Roca, advogado do custodiado, Sua Excelência igualmente manifestou-se de acordo com o que se transcreve pouco acima. Ao fim e ao cabo, agradeço a compreensão e a colaboração de todas as pessoas participantes desta presente audiência de custódia e determino a manutenção da custódia do Dr. Anderson Torres no Batalhão de Aviação Operacional da Polícia Militar do Distrito Federal, vale dizer, a manutenção da sua custódia no local onde agora ele se encontra, até ulterior decisão, num ou noutro sentido, de Sua Excelência, o Ministro ALEXANDRE DE MORAES, Relator do Inq. 4.923/DF, para o qual deverão ser encaminhados quaisquer requerimentos, da Procuradoria- Geral da República e da Defesa, para decisão do Ministro Relator. Nada mais.”
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