A demora em tomar as principais cidades enfraquece Putin, criando uma resistência ucraniana e protestos na Rússia
Nos anos 1980, o presidente Ronald Reagan reagiu a mais um daqueles alarmantes relatórios militares. A União Soviética tinha mais ogivas nucleares, submarinos lançadores de mísseis, bombardeiros estratégicos, tanques, peças de artilharia, caças e soldados que os Estados Unidos. Contrariado, perguntou: “Mas afinal, o que temos mais que eles?” O silêncio teria perdurado até que um assessor sênior sugeriu: “Dinheiro?” O presidente que havia chamado o oponente comunista de Império do Mal deu o pontapé para o fim da Guerra Fria naquela reunião: “Então vamos quebrar os caras!”
O episódio é folclórico e pode facilmente ser considerado uma lenda. Não importa. Ali foi dada uma solução da qual a hoje Rússia de Vladimir Putin não pode escapar. Os mais afoitos acreditam que o líder autoritário está disposto a encarar uma escalada global pela Ucrânia. Nada mais errado. O segundo maior país da Europa, atrás apenas da Rússia, é uma república jovem com um produto interno bruto (PIB) de apenas US$ 155 bilhões. Já o invasor é dono de US$ 1,4 trilhão – em dados de 2020 do Fundo Monetário Internacional. Essa distância é enorme, mas não o suficente para bancar as ambições expancionistas de Putin, afinal a Rússia mal chega perto dos US$ 20 trilhões de PIB dos EUA, dos US$ 19 tri da União Europeia e dos US$ 14 tri da China. Não dá para peitar meio mundo com tão pouco dinheiro no bolso e rodeado por vizinhos desconfiados.
Assim, entre iniciar uma guerra maior e preservar seu poder, Putin ficará com a segunda opção. Em vez do conflito entre os EUA e a antiga URSS, o que está no tabuleiro parece mais o Grande Jogo, um disputa regional que a Rússia czarista encenou desajeitadamente no século XIX com o Reino Unido, durante sua expansão à Transcaucásia, Sibéria e além, ao Pacífico. No caminho havia a China e o raj britânico, que incluía Paquistão e Índia, além da Pérsia, entre o Golfo e o Mar Cáspio, e o Afeganistão, um problema insolúvel para todos que se meteram por lá.
Fracasso inconcebível
Desde quinta-feira, o vértice dessa nova partida vai para o oeste, à Ucrânia. E Putin se mostra habilidoso, ganhando terreno enquanto coloca seus lançadores nucleares de prontidão com uma mão e acena para a negociação em Belarus – enquanto os combates seguem. “Os países ocidentais não estão apenas tomando ações econômicas hostis contra nosso país, mas os líderes dos principais países da Otan estão fazendo declarações agressivas sobre nosso país. Então, ordeno que as forças de dissuasão da Rússia passem a um regime especial de dever”, declarou.
O ponto central é que suas opções estão se esgotando. Os russos podem ter garantido as repúblicas da região de Donbass, Donetsk e Luhansk, criando um acesso terrestre à Crimeia, invadida em 2014 e desde o século XIX palco de guerras (imagem de destaque). Também podem ter desmantelado boa parte do limitado poder militar ucraniano. Mas há dificuldades para adentrar e conquistar Kiev e Kharkiv (ou Kharkov). O cientista político Ian Bremmer alertou: “A economia de Putin está prestes a implodir. Sua posição geoestratégica é pior do que em qualquer momento de sua presidência. A culpa é de Putin, mas admitir o fracasso é inconcebível…” Tudo isso enquanto os protestos antiguerra se desenrolam em São Petersburgo, a mais europeia metrópole russa, Moscou, Berlim, Praga, Roma, Londres e Lisboa.
Na Alemanha, o novo chanceler social-democrata Olaf Scholz parece ter entendido o cenário mais rápido que o presidente americano, Joe Biden. Enquanto endossa restrições econômicas, os germânicos vão fornecer mísseis antitanque e anti-helicóptero. Nada de tropas. Os armamentos vão servir para barrar os russos nas cidades, criando um impasse parecido com aquele vivido por Boris Iéltsin na Primeira Guerra da Chechênia (94-96). Para os ucranianos, entrar num confronto assimétrico mantido vivo com financiamento e armas ocidentais é a melhor opção, ainda que a um custo terrível para a população.
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