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Bolsonaro calado é um poeta

Durante o governo militar, o escritor Stanislaw Ponte Preta escreveu uma série em suas colunas chamada Febeapá (Festival de Besteiras que Assola o País). Se vivo estivesse, Sérgio Porto (o verdadeiro nome de Ponte Preta) encontraria nos últimos meses material suficiente para ressuscitar essa compilação de estultices. Ontem, o presidente Jair Bolsonaro deu mais uma contribuição à maré de declarações infelizes que enxergamos de todos os quadrantes do espectro político brasileiro.

A frase infeliz foi a seguinte: “Quem decide se um povo vai viver numa democracia ou numa ditadura são as suas Forças Armadas”. Na verdade, a Constituição brasileira deixa bem claro que o regime brasileiro é democrático e que as Forças Armadas estão a postos para garantir esse direito.

Para Bolsonaro, a democracia é uma simples concessão dos militares. Mas os valores democráticos são defendidos pela maioria dos generais, almirantes e brigadeiros, sem contar um contingente gigantesco de oficiais e soldados. Democracia não é benesse. É direito de toda uma população e precisa ser respeitado até quando se elege alguém que melhor faria ao país se ficasse calado.

Mais uma vez, a paradinha no cercadinho do Palácio Alvorada produz controvérsia e polêmica. Bons os tempos em que o carro presidencial acelerava diante da turma de apoiadores que batem ponto em frente à residência oficial do mandatário. Em uma novela do passado, uma personagem exaltava as qualidades do piscinão de Ramos, no Rio de Janeiro, que em sua narrativa era frequentado até por celebridades. “Cada mergulho é um flash”, dizia a atriz escalada para esse papel. Transportada para a realidade do cercadinho, essa frase pode ser adaptada com perfeição: “Cada declaração é um susto”.

O presidente insiste em vender uma imagem de que a vida, durante a ditadura, era melhor que atual. Embora fosse na época uma criança e depois adolescente, posso afirmar categoricamente que viver sob medo não é bom sob nenhuma circunstância. E que, após o milagre econômico, tivemos inflação, recessão e decadência tecnológica (sob o governo Ernesto Geisel, as importações foram simplesmente proibidas – e vivemos isso até a canetada de Fernando Collor, que liberou os importados).

O presidente ainda disse que “querem levar o Brasil ao socialismo”. Só se esquece de dizer que isso se restringe a uma minoria de pessoas. Caso contrário, Fernando Haddad estaria dando declarações como presidente e não ele. “Nós, militares, somos o último obstáculo contra o socialismo”, afirmou o presidente. Ora, tivemos quatro eleições vencidas pelo Partido dos Trabalhadores e não vimos nenhuma movimentação nos quartéis para impedir as posses de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff. É verdade que o PT não chegou a implementar o socialismo no Brasil, mas inflou o estado de uma tal forma que hoje sofremos para custeá-lo com impostos escorchantes.

“No Brasil, temos liberdade. Mas se não reconhecermos o valor destes homens e mulheres que estão lá, tudo pode mudar”, alfinetou o presidente. Nesta insinuação, deixou a porta aberta a um golpe militar. Lamentável. Parafraseando o senador Romário sobre o rei Pelé: Bolsonaro, quando calado, é um poeta.

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