Se tudo ocorrer como planejado, o ex-presidente Jair Bolsonaro voltará ao Brasil amanhã. O retorno ao país ocorre depois de um grande desgaste político envolvendo joias presenteadas pela Arábia Saudita e mantidas em seu acervo pessoal, enquanto deveriam ter sido incorporadas ao patrimônio público. Para tornar o caso mais apimentado, outro conjunto contendo peças de luxo, também dada a Bolsonaro pelo governo saudita, incluindo um Rolex cravejado de brilhantes, foi divulgado pelo jornal O Estado de S. Paulo ontem.
Bolsonaro não ocupa nenhum cargo público e pode ficar o tempo que quiser no exterior. Mas, como um político que pretende liderar a oposição – ou pelo menos ser o porta-voz do eleitorado mais conservador –, ele tem a obrigação de estar no Brasil, confrontando seu maior adversário político, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Por outro lado, Bolsonaro, uma vez restabelecido em Brasília, precisará reciclar seu repertório e deixar para lá a velha ladainha sobre as urnas eletrônicas manipuláveis e eleições fraudulentas – além de outras teorias da conspiração.
Se conseguir passar incólume pelo desgaste com o episódio das joias, Bolsonaro tem a oportunidade de encontrar seu lugar na oposição – já que, até agora, ninguém conseguiu ocupar com consistência este espaço. O governador de Minas Gerais, Romeu Zema, até tentou, mas foi tragado pelo dia a dia de sua administração. Em relação a Zema e aos demais postulantes à vaga de porta-voz da oposição, o ex-presidente leva uma vantagem: ele pode fazer disso sua ocupação em tempo integral.
Outro nome que também teria tempo para ocupar a imprensa com críticas ao PT e ao governo federal seria o ex-governador João Doria. Mas, nesta semana, ele deixou bem claro que isso não acontecerá. Ele deu a seguinte declaração: “Tudo o que eu puder fazer para ajudar o Lula eu farei. Não há nenhum ressentimento, nenhuma mágoa”. Resta ver, agora, se o presidente está na mesma página que Doria, uma vez que Lula vem se mostrando um enorme poço de rancor desde que assumiu o Planalto.
Bolsonaro, neste cenário, será presa ou predador?
Sua volta ao Brasil mostra que ele captou um sentimento crescente de insatisfação, hoje preponderante no empresariado. Os juros altos, necessários para combater a inflação, já causam um impacto negativo na economia e provocam uma freada generalizada no consumo e nos investimentos. Portanto, é uma questão de tempo para que essa insatisfação chegue à classe média e aos trabalhadores de maneira geral.
Como um tubarão se atiça quando sente o cheiro do sangue na água, Bolsonaro percebeu que tem uma oportunidade diante de si. O problema nesta equação é que o ex-presidente ainda sofre de alta rejeição entre o público feminino e no eleitorado de centro. Vai precisar, assim, gastar muita saliva para mostrar que ele seria uma versão “paz e amor” de si mesmo – se é que ele tem essa intenção. A maior probabilidade é Bolsonaro voltar como sempre foi: uma metralhadora giratória politicamente incorreta.
Pode existir, no entanto, uma pedra – ou várias – no caminho. E essas pedras podem jogar Bolsonaro na defensiva, transformando o predador em presa. O escândalo envolvendo as joias é apenas o primeiro movimento no tabuleiro. A intenção do PT é vasculhar com lupa a gestão anterior para encontrar exemplos com impacto semelhante (se não pior) ao das joias sauditas. O jogo deve ficar ainda mais pesado. Se o ex-presidente sair chamuscado deste processo, poderá abrir caminho, finalmente, para uma liderança moderada e mais alinhada com o centro político.
Uma resposta
Acredito que o grande aliado de Bolsonaro – o retorno-, será sua nêmesis: o rancoroso Lula, turbinado por um programa econômico que já encobre o horizonte com nuvens carregadas e trovoadas.