Circula nas redes sociais um vídeo alegando que a montadora chinesa BYD teria presenteado o Superior Tribunal de Justiça (STJ) com seus automóveis para influenciar as decisões do corte. Ou seja, corrupção escancarada. Só que a informação é falsa. A apuração revelou que os carros foram incorporados ao STJ por meio de um contrato de comodato, e não como doação. Essa modalidade na administração de frotas não é incomum. No comodato, alguém empresta um bem à outra gratuitamente para que seja usado por um determinado período de tempo. O bem deve ser devolvido no final do contrato.
Em janeiro, o presidente Lula recebeu emprestado um BYD Tan e um BYD Dolphin, também cedido em regime de comodato. Na ocasião, se encontrou com executivos da marca chinesa, entre eles o presidente da BYD Brasil, Tyler Li (imagem). Na prática, os usuários dos veículos acabam fazendo propaganda gratuita para a montadora.
Como funciona
Em 2024, o STJ abriu um edital para renovação de sua frota oficial, permitindo a participação de diversas empresas. A BYD cedeu os veículos por meio do Contrato STJ nº 02/2024, em operação vantajosa para ambos os lados.
O edital justificava a necessidade de substituir os modelos Hyundai Azera (2017/2018) e Ford Fusion (2015/2016), que apresentavam falhas recorrentes e já estavam fora da garantia de fábrica, encarecendo as manutenções. O objetivo era garantir segurança e eficiência no transporte de autoridades do Tribunal.
O contrato prevê a cessão de 20 veículos BYD Seal até 26 de novembro de 2026. A BYD firmou acordos semelhantes com outros órgãos públicos, como a Presidência da República, o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Câmara dos Deputados.
Renato Toledo, da Comissão Especial de Licitações e Contratos Administrativos da OAB/RJ, explica que comodato não é doação, pois os veículos são usados exclusivamente para atividades institucionais. “Presentes são cortesias sem vínculo com políticas públicas. O comodato atende a interesses da administração pública”, afirma.
Comodatos anteriores
O uso de comodato para aquisição de veículos não é novidade na administração pública. Em 2019, a Presidência da República firmou contrato semelhante com a Fiat Chrysler, recebendo oito Jeep Compass. No mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) utilizou quatro Hyundai Azera pelo mesmo modelo. Em 2022, o governo de Minas Gerais recebeu 10 veículos da Fiat Chrysler em acordo similar.
Denúncias trabalhistas
Críticos do contrato entre o STJ e a BYD também mencionam acusações de violação de direitos trabalhistas pela empresa. Em dezembro de 2024, o Ministério Público do Trabalho (MPT) identificou condições análogas à escravidão em sua fábrica em Camaçari (BA), envolvendo 163 operários chineses contratados de forma irregular perante as leis brasileiras.
A BYD rompeu contrato com a terceirizada responsável pelas contratações e participou de audiência no MPT para definir a repatriação dos trabalhadores, cobrindo despesas de passagens e ajuda de custo para retorno à China.
Apesar dessas denúncias, os contratos de comodato seguem em vigor, sem indícios de irregularidades administrativas.