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Churchill, Hitler e a guerra desnecessária

O Império Britânico morreu e, de quebra, tornou o Leste Europeu e a Europa Central um ambiente seguro para a expansão do stalinismo

A Europa, o continente-mãe do Ocidente, está hoje em decadência e morrendo, incapaz de sustentar as taxas de fecundidade necessárias para manter o continente vivo, ou para resistir à conquista estrangeira de uma invasão de imigrantes oriundos do Terceiro Mundo.

O que houve com as nações que, há apenas um século, controlavam o mundo?

Em meu livro Churchill, Hitler and ‘The Unnecessary War’: How Britain Lost Its Empire and the West Lost the World (Churchill, Hitler e a “Guerra Desnecessária”: como a Grã-Bretanha perdeu seu império e o Ocidente perdeu o mundo), argumento que foram os colossais erros de estadistas britânicos, sendo Winston Churchill o principal deles, que transformaram duas guerras europeias em guerras mundiais que ainda se comprovarão as responsáveis pelas feridas mortais do Ocidente.

Como tudo começou

O primeiro erro grotesco começou com uma decisão secreta do Gabinete Nacional britânico, em 1906, de que mandaria o exército britânico cruzar o Canal da Mancha para lutar em qualquer guerra franco-germânica que porventura viesse a ocorrer.  Tivesse o Kaiser sabido de antemão que o Império Britânico lutaria ao lado da França, ele teria tomado ações mais decisivas do que as que de fato tomou para evitar que o continente mergulhasse na guerra em julho de 1914.

Caso a Grã-Bretanha não tivesse declarado guerra à Alemanha em 1914, Canadá, Austrália, África do Sul, Nova Zelândia e Índia não teriam seguido a metrópole.  Tampouco o Japão, aliado da Grã-Bretanha.  Tampouco a Itália, a quem Londres seduziu com propinas secretas, prometendo territórios dos impérios Otomano e de Habsburg. Tampouco teriam os Estados Unidos ido para a guerra caso a Grã-Bretanha tivesse se mantido fora.  A Alemanha teria vencido a guerra, talvez em poucos meses.  Como consequência, não haveria Lênin, nem Stalin, nem Tratado de Versalhes, nem Hitler e nem Holocausto.  O leninismo e o stalinismo jamais teriam triunfado na Rússia e Hitler jamais teria chegado ao poder na Alemanha.

Churchill foi o mais belicoso defensor da entrada da Grã-Bretanha na guerra europeia de 1914.  Mas o fato é que o Kaiser Wilhelm II, neto da Rainha Vitória e sobrinho do Rei Eduardo VII, nunca quis uma guerra com a Grã-Bretanha (em 1910, ele marchou no funeral do Rei Eduardo — utilizando um uniforme de marechal britânico).

A argumentação tradicional em prol da intervenção da Grã-Bretanha é que ela tinha de interromper o militarismo prussiano, “pois as políticas do Kaiser demonstravam que ele queria fazer guerra ao redor de todo o globo”, escreveu Christopher Hitchens, criticando meu livro.

Mas isso é tolice.  Se o Kaiser estivesse procurando alguma guerra, ele certamente já a teria achado.  O fato é que, em 1914, ele já estava no poder havia 25 anos, já estava na meia-idade e jamais havia lutado uma só guerra ou criado uma só batalha.

De Waterloo até a Primeira Guerra Mundial, a Prússia lutou três guerras, todas elas em um período de sete anos, de 1864 a 1871.  Como resultado destas guerras, ela adquiriu dois ducados, Schleswig e Holstein, e duas províncias, Alsácia e Lorena.  Em 1914, a Alemanha não entrava em uma guerra fazia já duas gerações.

Isso parece uma postura de quem quer conquistar o mundo?

Quanto ao belicoso apoio do Kaiser aos Bôeres, sua incitação da Crise de Agadir em 1905, sua construção de uma grande frota, e sua busca por colônias na África, ele estava apenas macaqueando os britânicos, cuja aprovação e amizade ele desesperadamente procurou durante toda a sua vida e a qual sempre lhe foi negada.

Em todas as crises em que o Kaiser se meteu, incluindo seu insensato “cheque em branco” dado à Áustria após assassinos sérvios matarem o herdeiro do trono austríaco, ele ou recuou ou tentou recuar quando a guerra finalmente eclodiu.

Mesmo Churchill, que antes de 1914 acusava o Kaiser de querer “dominar o mundo”, admitiu que “a história deverá … absolver Wilhelm II da acusação de ter tramado e planejado a Primeira Guerra Mundial”.

O Tratado de Versalhes e novas trapalhadas 

Em 1918, após a derrota, a Alemanha aceitou um armistício obedecendo aos Quatorze Pontos de Woodrow Wilson, renunciou às armas e se desfez de sua Frota de Alto-Mar.

Entretanto, uma vez desarmada, a Alemanha não só foi submetida a sanções e bloqueios que geraram fome entre seus cidadãos, como também lhe foi negado o direito de pescar no Mar Báltico.  Além disso, ela viu todas as suas colônias e propriedade privada serem confiscadas por imperialistas britânicos, franceses e japoneses, em explícita violação dos 14 Pontos de Wilson.

O que nos leva ao segundo erro grotesco: o Tratado de Versalhes, o qual adicionou um milhão de milhas quadradas ao Império Britânico ao mesmo tempo em que consignou milhões de alemães, austríacos e húngaros à Bélgica, à França, à Itália, à Servia, à Tchecoslováquia, à Romênia, à Polônia e à Lituânia, violando totalmente o princípio da autodeterminação, os termos do armistício e os 14 Pontos. 

A Alemanha foi fatiada pela metade, desmembrada, desarmada, onerada com uma dívida impagável e forçada, sob a ameaça de novas invasões e bloqueios, a confessar que ela, sozinha, havia sido moralmente responsável pela guerra e por toda a sua devastação — o que é uma mentira, como bem sabem os Aliados.

Onde Hitler nasceu?  Em Versalhes, é claro.

Já em 1920, o próprio Churchill estava exortando a Grã-Bretanha a revisar Versalhes, a trazer a Alemanha para o campo aliado e a intervir na guerra civil russa — contra Lênin e Trotsky.

O terceiro erro grotesco foi a decisão britânica de capitular às exigências americanas em 1921 e dispensar os japoneses, que haviam sido seus fieis aliados por 20 anos.  Tókio se vingou, 20 anos depois, infligindo a maior derrota da história britânica: a entrega de Cingapura e a rendição de um exército de 80.000 soldados britânicos perante um exército japonês que tinha a metade do tamanho.  Churchill corretamente se referiu ao episódio como “o pior desastre e a maior capitulação da história britânica.”

O quarto erro grotesco, o qual Neville Chamberlain rotulou de “o pleno verão da loucura”, foi a decisão, em 1935, de punir a Itália por causa de sua guerra colonial na Etiópia.  Londres rasgou as resoluções da Conferência de Stresa, declaração firmada entre Grã-Bretanha, França e Itália, e que Mussolini havia criado para conter a intenção de rearmamento da Alemanha.  Tal atitude empurrou Mussolini diretamente para os braços de um ditador nazista que ele desprezava.

Em 1936, a França sondou os britânicos para saber se eles apoiariam uma investida para empurrar as tropas alemãs para fora da Renânia, a qual havia sido ocupada por Hitler em violação ao Tratado de Versalhes.  Os britânicos se recusaram.  E Churchill congratulou a França por levar a questão à Liga das Nações, e disse que a solução ideal seria que os nazistas se retirassem voluntariamente da Renânia, mostrando assim para o mundo que Hitler respeitava a santidade dos tratados.

O Acordo de Munique, 1938

Munique, setembro de 1938, foi um desastre.  Mas foi uma consequência direta, se não inevitável, de um Tratado de Versalhes que havia consignado 3,5 milhões de alemães dos Sudetos (alemães da região no norte da Tchecoslováquia que queriam estar sob domínio alemão) ao domínio dos tchecos, contra sua vontade e em violação do princípio da autodeterminação.  

No dia 30 de setembro de 1938, Chamberlain transferiu por assinatura a região dos Sudetos para a Alemanha em vez de lutar para manter 3,5 milhões de alemães sob o domínio tcheco, algo que havia sido imposto a eles pela Conferência de Paz de Paris em clara violação ao princípio da autodeterminação estabelecido por Wilson.

Por que a Grã-Bretanha não protestou e cedeu alegremente todo o território tcheco para Hitler?

Porque a Grã-Bretanha não tinha nenhuma aliança com Praga, e Chamberlain “não dava a mínima” para quem controlaria os Sudetos.  Adicionalmente, a Grã-Bretanha não tinha um exército para mandar para a região, não tinha divisões para mandar para a França, não tinha Spitfires, não tinha o apoio dos EUA ou de suas colônias, e não tinha aliados, exceto a França, a qual havia sido alertada que, caso houvesse guerra, os EUA não entregariam os aviões que a França havia comprado.

A neutralidade dos EUA proibia tal ato.

Em seus encontros com Chamberlain, Hitler havia alertado que a Polônia e a Hungria também reivindicariam terras antigas que haviam sido entregues aos tchecos pela Conferência de Paz de Paris em 1919.

Ato contínuo, após o Acordo de Munique, Varsóvia anexou uma área da cidade de Teschen (Cieszyn, em polonês), rica em carvão, na qual viviam dezenas de milhares de poloneses.  A Hungria, após a Arbitragem de Viena de 2 de novembro de 1938, recuperou terras na Eslováquia e na Rutênia, onde os húngaros eram a maioria e que havia estado sob o controle de Budapeste até 1919.

Nem a Grã-Bretanha e nem a França ofereceram resistência a estas revisões de fronteiras.

Em março de 1939, a Tchecoslováquia começou a se esfacelar.

No dia 10 de março, para esmagar uma revolta eslovaca que buscava sua independência, o presidente tcheco Emil Hacha removeu o primeiro-ministro eslovaco Monsenhor Josef Tiso, ocupou Bratislava e estabeleceu um regime pró-Praga.

No dia 11 de março, Tiso foi a Viena e pediu ajuda a Berlim.

No dia 13 de março, Tiso se encontrou com Hitler.  O Führer exortou Tiso a declarar independência imediatamente, pois, caso não o fizesse, a Alemanha não iria interferir no processo de reanexação da Eslováquia pela Hungria.  Budapeste estava movendo suas tropas para a fronteira.

No dia 14 de março, a Eslováquia declarou sua independência.  A Rutênia fez o mesmo logo em seguida, dissolvendo o que restava da Tchecoslováquia.

Miklós Horthy, regente da Hungria, foi informado por Hitler que ele poderia reanexar a Rutênia, mas tinha de se manter longe da Eslováquia.  Ato contínuo, Horthy ocupou a Rutênia.

Emil Hacha pediu uma reunião com Hitler para tentar conseguir a mesma garantia de independência que a Eslováquia havia conseguido.  Mas Hitler ameaçou Hacha, obrigando-o a transformar o que restou da Tchecoslováquia em um protetorado da Alemanha.

Assim, seis meses após Munique, os alemães da Tchecoslováquia estavam onde queriam estar, sob domínio alemão.  Os poloneses estavam sob domínio polonês.  Os húngaros estavam sob domínio húngaro.  E os eslovacos, sob domínio eslovaco em sua nova nação.

Porém, 500.000 rutenos estavam novamente sob o domínio de Budapeste, e 7 milhões de tchecos estavam de novo sob domínio alemão — desta vez sob Berlim, e não Viena.

O nacionalismo étnico havia destruído a Tchecoslováquia, assim como havia feito com o Império Habsburgo.  No entanto, nenhum interesse britânico vital estava em perigo.

E embora Hitler, em vez da força, houvesse utilizado apenas de uma brutal diplomacia bismarckiana, Chamberlain havia sido humilhado.  O troféu de sua carreira, o acordo de Munique, era agora motivo de escárnio.

Mas Munique ainda não havia sido o pior dos erros.

Danzig e a garantia

Feito de bobo por Hitler, aviltado por seus colegas de Parlamento, incitado por Lord Halifax (Líder da Casa dos Lordes), e enfrentando uma moção de censura, em 31 de março de 1939, Chamberlein cometeu o maior erro da história diplomática da Grã-Bretanha: ele concedeu uma não solicitada garantia de guerra aos coronéis poloneses, membros de um regime neofascista, que haviam acabado de anexar uma parte da Tchecoslováquia — no que contaram com a ajuda de Hitler.

Tendo agora o apoio explícito do Império Britânico — o qual havia garantido que socorreria a Polônia caso a Alemanha atacasse –, e sentindo-se encorajada, Varsóvia passou a se recusar a sequer discutir a devolução de Danzig para a Alemanha.  Danzig (hoje Gdansk) era uma cidade portuária no mar Báltico, sendo que 95% de sua população era formada por alemães.  Até mesmo Chamberlain e vários líderes britânicos achavam que ela deveria ser devolvida à Alemanha.

Hitler não queria uma guerra com a Polônia.  Quisesse ele de fato uma guerra, ele teria exigido a devolução de todo o Corredor Polonês retirado da Alemanha em 1919.  Ele queria Danzig de volta, e queria também ter a Polônia como aliada em seu Pacto Anti-Comintern.  Ele chegou até a aludir à cessão de um território eslovaco para a Polônia, como forma de compensação.  Hitler também não queria guerra com uma Grã-Bretanha que ele admirava e que sempre havia visto como uma aliada natural.

Ele também não queria guerra com a França, caso contrário ele teria exigido a devolução da Alsácia.

Mas Hitler estava em uma posição vulnerável por causa de Danzig e não podia recuar.

Repetidamente, Hitler tentou negociar Danzig.  E repetidamente, os poloneses o repeliram.  Vendo que os Aliados estavam cortejando Josef Stalin, Hitler decidiu fazer um acordo com os abominados bolcheviques e resolver a questão da Polônia à força.

Embora a Grã-Bretanha houvesse prometido ajuda à Polônia, ela nunca de fato teve planos de ajudá-la, nunca teve a intenção de ajudá-la e não faria nada para ajudá-la.  Prometeram aos poloneses uma ajuda militar que não poderiam cumprir — Churchill mais tarde viria a entregar metade da nação para Stalin e a outra metade para os fantoches de Stalin –, e essa promessa solapou a determinação dos poloneses em resistir a Hitler, garantindo assim sua aniquilação. 

No dia 1º de setembro de 1939, o exército alemão cruzou a fronteira polonesa, com seus panzers.  No dia 3 de setembro, mesmo sem nenhuma condição, a Grã-Bretanha e um aflito Neville Chamberlain declararam guerra à Alemanha em defesa da Polônia.

Começou assim a mais horrenda guerra da história, a qual iria levar a Grã-Bretanha à falência e acabar com seu império.  Seis anos depois, 50 milhões de cristãos e judeus haviam sucumbido.  A Grã-Bretanha estava quebrada e falida, e a Alemanha, só ruínas e fumaça.  A Europa havia servido de cenário para o mais aniquilador combate já vivenciado pelo homem, e os civis sofreram horrores ainda piores do que os soldados. 

E em maio de 1945, o Exército Vermelho ocupou todas as grandes capitais da Europa Central: Praga, Berlim, Viena, Budapeste.  Cem milhões de cristãos ficaram sob o domínio da mais bárbara tirania da história: o regime bolchevique comandado pelo maior terrorista de todos, Josef Stalin.

Consequências para a Polônia

Quais foram as consequências para a Polônia de ter confiado na Grã-Bretanha?

Crucificação em cruz nazi-soviética, o massacre de Katyn (22 mil prisioneiros poloneses assassinados em uma floresta), Treblinka e Auschwitz, aniquilação do Exército Nacional, milhões de bravos poloneses mortos, e meio século de terror bolchevique.

E como Churchill honrou o compromisso da Grã-Bretanha com a Polônia?

Em suas viagens a Moscou, Churchill intimidou o primeiro-ministro polonês a ceder para Stalin aquela metade do seu país que Stalin havia conseguido por meio de seu pacto satânico com Hitler (Pacto Molotov-Ribbentrop), e aquiesceu às demandas de Stalin pela anexação das repúblicas bálticas e o subsequente domínio bolchevique de uma dúzia de nações do Leste Europeu e da Europa Central.

Cinquenta milhões de mortos depois, qual foi o resultado?  Stalin — cujo número de vítimas em 1º de setembro de 1939 já era 1.000 vezes maior que as de Hitler — não apenas ocupou a Polônia, pela qual a Grã-Bretanha foi à guerra, mas também toda a Europa cristã que ia até o rio Elba.

Um pacto Hitler-Stalin, seis anos de guerra com milhões de mortos, a Europa em ruínas, o Império Britânico esfacelado, 10 nações europeias sob o jugo bárbaro de Stalin e meio século de Guerra Fria.  Caso não tivesse havido a garantia britânica à Polônia, poderia não ter havido uma guerra, uma invasão nazista da Europa Ocidental e um Holocausto.

Churchill estava certo quando disse a Franklin Delano Roosevelt, em dezembro de 1941, que tudo havia sido uma “Guerra Desnecessária”; e estava certo de novo, em 1948, quando escreveu que, com Stalin, o mundo agora enfrentava “perigos ainda piores” do que com Hitler.

Por que a Grã-Bretanha fez isso?

Afinal, por que a Grã-Bretanha concederia uma não solicitada garantia de guerra para uma junta de coronéis poloneses, dando a eles o poder de arrastar os britânicos para uma segunda guerra contra a nação mais poderosa da Europa?

Havia sido uma atitude sábia declarar uma guerra mundial contra a nação mais forte da Europa apenas por causa de uma cidade, Danzig, cuja reivindicação pela Alemanha era, segundo o próprio primeiro-ministro britânico, justa?  Danzig valia uma guerra?  Ao contrário dos 7 milhões de cidadãos de Hong Kong que foram entregues pelos britânicos a Pequim contra sua vontade, os cidadãos de Danzig estavam clamando para voltar para a Alemanha.

A resposta comumente dada a essa pergunta é: a garantia de guerra não tinha nada a ver com Danzig, e tampouco com a Polônia.  Tudo fazia parte do imperativo moral e estratégico de “parar Hitler” após ele ter demonstrado, ao rasgar o pacto de Munique (junto com toda a Tchecoslováquia), que estava determinado a conquistar o mundo.  E esta besta nazista não poderia ter essa liberdade.

Se isso for verdade, é um ponto justo.  Afinal, os americanos estavam preparados para usar bombas atômicas para manter o Exército Vermelho longe do Canal da Mancha.  Porém, onde está a evidência de que Adolf Hitler, cujas vítimas em março de 1939 eram apenas uma fração das do general Pinochet, ou das de Fidel Castro, estava determinado a conquistar o mundo? 

Após o Acordo de Munique em 1938, a Tchecoslováquia de fato se esfacelou e se desintegrou, como relatado no início deste texto.  Por mais repugnante que tenha sido tal acontecimento, a pergunta persiste: como é que esta dissolução da Tchecoslováquia manifesta um ímpeto hitlerista de conquistar o mundo?

A típica resposta é: se a Grã-Bretanha não tivesse dado a garantia de guerra, e se ela não tivesse de fato ido à guerra, após a desintegração da Tchecoslováquia seria a vez da Polônia, e depois da Rússia, depois da França, depois da Grã-Bretanha, e então dos Estados Unidos.

E todos nós estaríamos falando alemão hoje.

Mas será mesmo?

Hitler realmente queria uma guerra?

Se Hitler estava determinado a conquistar o mundo — Grã-Bretanha, África, Oriente Médio, Estados Unidos, América do Sul, Índia, Ásia, Austrália –, então por que ele gastou três anos construindo aquela enormemente cara Linha Siegfried para isolar a Alemanha e protegê-la contra um ataque França?  Por que ele começou a guerra sem ter embarcações de superfície, sem ter transportes para as tropas e tendo apenas 29 submarinos?  Como você conquista o mundo tendo apenas uma marinha incapaz de sair do Mar Báltico?

Se Hitler queria o mundo, por que ele não construiu bombardeiros estratégicos?  Por que ele se contentou apenas com Dorniers e Heinkels de dois motores que não tinham autonomia nem para chegar à Grã-Bretanha partindo da Alemanha?

Por que ele deixou o exército britânico chegar até Dunquerque [porto no norte da França]?

Por que ele ofereceu um acordo de paz aos britânicos duas vezes: a primeira, após a Polônia ter sido dominada; a segunda, após a invasão da França e a Batalha de Dunquerque?

Por que, quando invadiu Paris, Hitler não exigiu que lhe entregassem a frota francesa, dado que os Aliados haviam exigido e confiscado a frota do Kaiser em 1918?  Por que ele não exigiu as bases controladas pelos franceses na Síria, de onde ele poderia atacar Suez?  Por que ele implorou a Benito Mussolini para que este não atacasse a Grécia?

Porque Hitler queria acabar com a guerra em 1940, quase dois anos após os pelotões terem começado a se movimentar.

Hitler nunca quis uma guerra contra a Polônia, mas sim uma aliança com ela, como a que ele tinha com a Espanha de Francisco Franco, a Itália de Mussolini, a Hungria de Miklos Horthy e a Eslováquia de Monsenhor Josef Tiso.

Antes de a Grã-Bretanha declarar guerra contra ele, Hitler jamais havia exigido a devolução de nenhum terreno alemão perdido para o Ocidente em decorrência de Versalhes.  Schleswig havia sido dado para a Dinamarca em 1919, Eupen e Malmedy para a Bélgica, e Alsácia e Lorena para a França.  Por que ele não exigiu estes terrenos de volta?  Porque ele estava em busca de uma aliança, ou ao menos de uma amizade com a Grã-Bretanha, e sabia que qualquer medida contra a França significaria guerra contra a Grã-Bretanha.

Com efeito, por que ele iria querer guerra se, em 1939, ele estava cercado de vizinhos aliados, amigáveis ou neutros, exceto a França?  E ele já havia descartado a Alsácia, pois reconquistar a Alsácia significaria guerra com a França, e isso, por sua vez, significaria guerra com a Grã-Bretanha, cujo império ele admirava e a quem ele sempre buscou como aliada.

Em março de 1939, Hitler nem sequer fazia fronteira com a Rússia.  Como poderia ele, portanto, invadir a Rússia?

Holocausto e invasão da Rússia

Que Hitler era um furioso antissemita é algo inegável.  “Mein Kampf” está impregnado de antissemitismo.  As Leis de Nuremberg confirmam isso.  Porém, durante os seis anos anteriores à Grã-Bretanha ter declarado guerra, não houve nenhum Holocausto, e nos dois anos após o início da guerra, também não houve Holocausto.

Foi só no início de 1942, quando ocorreu a Conferência de Wannsee, que a Solução Final foi discutida.

Tal conferência só foi convocada após o avanço de Hitler na Rússia ter sido interrompido, ele ter declarado guerra aos EUA e ter percebido que o seu fim era inevitável.  Foi só então que começou o Holocausto.

E por que Hitler invadiu a Rússia?  Em meu livro, repito pelo menos dez vezes a citação de Hitler na qual ele afirma que apenas derrotando a Rússia é que ele poderia convencer a Grã-Bretanha de que ela não seria capaz de vencê-lo e que, com isso, a guerra deveria ser finalizada.

Christopher Hitchens ridicularizou esta ideia, invocando a surrada teoria da loucura de Hitler:

Poderia haver melhor definição de desequilíbrio mental e megalomania do que o exemplo de um ditador que rejeita os conselhos de seus próprios generais e decide invadir a Rússia no inverno?

Meu caro Christopher, Hitler invadiu a Rússia no dia 22 de junho.

O Holocausto não foi uma das causas da guerra, mas sim uma de suas consequências.  Não houvesse guerra, não haveria holocausto.

A Grã-Bretanha foi à guerra contra a Alemanha para salvar a Polônia.  Mas ela não salvou a Polônia.  Ela apenas perdeu seu império.  E Josef Stalin, cujo número de vítimas excedia as de Hitler em mais de mil vezes ainda em setembro de 1939, e que havia se juntado a Hitler no estupro da Polônia, terminou tiranizando não apenas toda a Polônia, como também todas as nações cristãs que iam dos Urais até o Elba.

Conclusão

Churchill foi o indispensável líder de guerra que conseguiu se segurar até o momento em que Hitler cometeu seus dois erros fatais: invadir a Rússia e declarar guerra aos EUA.  Ele foi também o principal responsável pela derrocada da Grã-Bretanha, de maior império desde Roma até uma ilha dependente dos EUA. 

A respeito do caráter do regime bolchevista em 1919 e do regime nazista em 1933, ele estava certo.  A respeito do rearmamento britânico, ele também estava certo.  Mas Churchill também se mostrou, com muita frequência, desastrosamente errado.

Ele conduziu o Ocidente a uma descida à sua própria barbárie ao impor sanções e bloqueios à Alemanha em 1914, o que gerou inúmeras mortes por inanição, e lançou ataques aéreos contra cidades abertas em 1940.  Ambas as políticas dizimaram centenas de milhares de mulheres e crianças.

Ele foi também o responsável pelas maiores trapalhadas militares britânicas em duas guerras: o desastre de Dardanelos, em 1915, e o fiasco norueguês de 1940, o qual derrubou Chamberlain e elevou o próprio Churchill ao poder.

Embora tenha criticado duramente Chamberlain por este ter adotado uma posição conciliadora em relação a Hitler, o próprio apaziguamento de Churchill em relação a Stalin durou muito mais tempo e se revelou muito mais grave e custoso, fazendo com que as causas pelas quais a Grã-Bretanha havia sacrificado seu império — a liberdade da Polônia e o impedimento de que uma força hostil dominasse a Europa — tenham sido totalmente em vão.

Não deixa de ser curioso, portanto, observar que ele siga sendo venerado como uma das mais admiradas personalidades do século XX — um feito e tanto, principalmente quando se constata que a carreira de Churchill coincide com o colapso do Império Britânico e a subsequente redução de seu status de preeminência mundial ao de potência de terceira categoria.

A guerra era inevitável?  Não.  Nenhuma guerra é inevitável até o momento em que ela de fato começa.  A guerra foi necessária?  Com a palavra, o próprio Churchill, relatando uma conversa com Roosevelt após Pearl Harbor.

Certo dia, o presidente Roosevelt me disse que ele estava publicamente pedindo sugestões sobre como a guerra deveria ser rotulada.  Eu disse imediatamente: “A Guerra Desnecessária”.  Nunca houve uma guerra mais fácil de ser interrompida do que aquela que simplesmente destruiu o que restava do mundo.

O Império Britânico lutou, sangrou e morreu, e de quebra tornou o Leste Europeu e a Europa Central um ambiente seguro para a expansão do stalinismo.  Não é de se surpreender que Winston Churchill aparentasse tamanha melancolia quando estava mais velho.  Como T.S. Eliot observou, “A humanidade simplesmente não consegue suportar um excesso de realidade.”

Churchill foi um grande homem — à custa da grandeza do seu país.

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Nota do tradutor: rodas as informações e citações deste artigo podem ser encontradas em detalhes no livro do autor: Churchill, Hitler e a “Guerra Desnecessária”: Como a Grã-Bretanha perdeu seu império e o Ocidente perdeu o mundo, o qual também é pleno de notas e documentos

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Por Patrick Buchanan

Publicado originalmente em: https://encurtador.com.br/tGIJz

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