Muito se discute sobre a geração nem-nem – a dos jovens que nem estudam nem trabalham. Mas, recentemente, observamos o surgimento de outro tipo de fenômeno nem-nem: aqueles eleitores que desaprovam a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva e, ao mesmo tempo, não suportam o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em 2018, esses indivíduos ensaiaram participar de discussões eleitorais. Foram tachados de “isentões” e detonados por petistas e bolsonaristas. Conforme a era de polarização política se consolidou, este segmento do eleitorado submergiu e evitou se expor, temendo um cancelamento pelos dois lados do espectro ideológico.
Ultimamente, no entanto, esses eleitores nem-nem estão voltando a dar seus pitacos em redes sociais, ganhando apoio de quem comunga de ideias semelhantes. O jornal Folha de S. Paulo, neste sentido, está ajudando os nem-nem a saírem do armário.
Ontem, a “Folha” publicou um editorial de primeira página batendo forte no governo Lula. O título e o subtítulo: “A conta do almoço grátis chega cedo ou tarde – apenas se abandonar a gastança Lula terá condições de concluir seu mandato sem pôr em risco a estabilidade macroeconômica”.
O texto não poupa a irresponsabilidade fiscal propagada pelo petismo: “Desde que foi eleito, Lula praticou o ideário, derrotado pela história, de que o progresso decorre da expansão ilimitada do Estado, a teoria do almoço grátis. [..] A economia caminha para um cavalo de pau se não houver freio de arrumação urgente na política fiscal. A velha artimanha de Lula de acusar um complô de operadores financeiros pela situação terá pouca serventia”.
Mas isso não quer dizer que o jornal se tornou bolsonarista ou liberal do ponto de vista econômico. Mais adiante, continuando suas críticas à administração petista, os editorialistas da “Folha” escrevem o seguinte: “Encapsular-se na teoria do almoço grátis vai conduzi-lo para um fiasco parecido com o de Dilma Rousseff, o que seria uma pena, pois em quase todos os outros setores o governo atual supera o de Jair Bolsonaro”.
Um jornal que passou boa parte dos últimos quarenta anos sendo considerado uma voz das esquerdas não poderia evidentemente virar a casaca de uma só vez. A “Folha” pode criticar um determinado aspecto da economia, mas dificilmente elogiaria o bolsonarismo e os quatros anos em que o ex-presidente esteve no poder. Os nem-nem políticos, no entanto, têm críticas ao governo petista em outras áreas além do campo econômico – e suas críticas em relação ao Ministério da Fazenda não se restringem somente à à questão envolvendo as contas públicas.
Aliás, neste ponto, o editorial da “Folha” comete uma injustiça. Dá a entender que o único problema econômico do governo é a irresponsabilidade fiscal. Não é. Temos hoje uma administração antimercado e que se orgulha disso. Pode-se dirigir críticas ao trabalho do ex-ministro Paulo Guedes, mas ele conduziu uma gestão com muitas reformas – algumas microscópicas e outras de amplo alcance – que melhoraram bastante o ambiente de negócios no Brasil.
Uma parte da performance econômica de 2024, diga-se, é fruto desse ciclo reformista, que começou nos dois anos e meio em que Michel Temer esteve no poder. A Folha faz bem em criticar a inépcia fiscal do governo, mas precisa olhar mais profundamente para os fundamentos petistas no que diz respeito à economia de mercado. Aqui está o ‘x’ da questão. Se impulsionarmos os negócios com um estado menor, impostos reduzidos e um mercado mais livre, poderemos tirar o país da atual rota de fracasso. Dessa forma, obteremos um ciclo de crescimento longo e virtuoso, ao contrário dos voos de galinha que temos experimentado nas últimas décadas.