Antes de mais nada, vamos lembrar que estamos falando de dois personagens imprevisíveis e de pavio curto. Jair Bolsonaro e Pablo Marçal, apesar do atrito protagonizado pelos dois nos últimos dias, podem se entender no futuro, especialmente se a necessidade os unir. Mas os cutucões recentes foram pesados demais, especialmente depois que o candidato a prefeito foi impedido de subir no trio elétrico que abrigava as estrelas da manifestação realizada na Avenida Paulista no último sábado. A justificativa para Marçal ser barrado era o horário, pois Bolsonaro já havia encerrado o ciclo de discursos.
“Vocês acreditam que eu fui subir no caminhão e não deixaram? Então, obrigado pelo carinho, não sei quem mandou fechar o caminhão”, afirmou o ex-coach, que posteriormente disse ter sido o pastor Silas Malafaia o autor da proibição. O religioso, por sua vez, subiu nas tamancas. Disse que o candidato “não é digno dos votos da direita nem do povo de São Paulo”. A justificativa? “Porque mente, deturpa, engana para tirar proveito político”.
Malafaia foi além: “Estou ouvindo gente da direita, alguns evangélicos, dizendo assim: ‘Pastor Malafaia, não fica contra Pablo Marçal que você vai ajudar a esquerda’. Um momentinho. Quer dizer que se alguém da direita mente, diz meia verdade, quer tirar proveito, quer lacrar, nós vamos ficar quietos porque é da direita? Que caráter é o nosso?”.
O ex-presidente, por sua vez, publicou um vídeo no qual o locutor chama Marçal de “aproveitador”, “arregão” e “traidor”. Como resposta, o candidato disse que “Bolsonaro se curvou ao comunismo”. Bem, é mais fácil um boi voar do que Jair Bolsonaro se curvar aos comunistas. A frase de Marçal, portanto, mostra o nível que chegou o desentendimento entre os dois representantes da direita.
Com esse comportamento, o flerte que existia entre Marçal e Bolsonaro parece ter se extinguido. Lembremos que não seria a primeira vez que o ex-presidente brigou com aliados ideológicos. Isso aconteceu com vários nomes da política: Gustavo Bebianno, Paulo Marinho, Joice Hasselmann, Major Olímpio e Alexandre Frota, todos nomes importantes em sua campanha de 2018.
A diferença, aqui, é que os aliados citados dependeram de Bolsonaro para construir capital político. Já Pablo Marçal arregimentou um eleitorado conservador sem depender do apoio formal de Bolsonaro, que foi atacado quando ensaiou críticas ao candidato a prefeito.
A contenda entre os dois praticamente jogou Bolsonaro dentro da campanha de Ricardo Nunes, que tinha conquistado o apoio do ex-presidente, mas não havia levado. Agora, o núcleo bolsonarista terá de fazer um “all in” na campanha de reeleição do prefeito – ou promover uma retirada estratégica, o que seria vexaminoso.
Por enquanto, Bolsonaro é o líder incontestável da direita em termos nacionais. Mas essa liderança mostra duas rachaduras, a começar pela campanha paulistana. Os resultados pífios apresentados por Alexandre Ramagem nas pesquisas cariocas mostram que o apoio do presidente já não seria uma garantia de vitória.
É muito provável que Marçal, ganhando ou não a eleição municipal em São Paulo, busque uma carreira nacional e tente até uma candidatura à presidência da República. Ao fazer isso, estaria batendo de frente novamente com Bolsonaro, que ainda tem esperanças de ser anistiado para concorrer em 2026 – ou, então, ter a primazia de escolher quem seria o nome da direita para o Planalto (por enquanto, esse lugar seria do governador Tarcísio de Freitas).
Está surgindo uma rivalidade para ver quem será o principal líder da direita em dois anos?
Neste caso, talvez Marçal tenha mais a perder do que Bolsonaro. O ex-presidente já teve sua vida virada de ponta cabeça. Todos – amigos e inimigos – o conhecem bem. Mas, para muitos, o passado de Pablo Marçal é uma incógnita. Colocar Bolsonaro como inimigo talvez não seja a melhor jogada política para sua campanha.