Na hora da verdade sobre a taxação das comprinhas importadas, o mais importante foi escantear a racionalidade em busca de cargos e mandatos
O debate brasileiro costuma ser distorcido por ruídos paralelos que tiram o foco de aspectos centrais. Porém, nunca no horizonte imediato a ambição miúda pela prefeitura de uma capital de menor peso – Maceió, no caso – conseguiu eclipsar com tamanha intensidade questões macroeconômicas sobre emprego, arrecadação, indústria e importações.
A briga sobre a taxação das compras até US$ 50 em sites internacionais já era alvo de acalorado e justa discussão à esquerda e à direita. Os lados: governo, que deseja arrecadar; indústria, que almeja isonomia tributária perante a concorrência internacional; sindicatos, com a possibilidade de manutenção e até algum aumento de empregos; e consumidores, que querem apenas pagar menos. Porém, a política provinciana falou mais alto e tudo desandou.
O protagonista evidente é o senador do Podemos-AL, Rodrigo Cunha (à direita), relator projeto de lei (PL) 914/24, sobre a taxação das blusinhas importadas. Ao excluir o tema do texto, ele piorou o que já era ruim. O PL tinha a cobrança das importações anexada como um jabuti – algo paralelo e meio estranho -, já que se trata do Programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover). Ao alegar que a questão estava fora do contexto do original analisado – o que faz sentido -, Cunha derrubou o combinado com o governo e com o Centrão.
Na soleira
Por trás dessa decisão há uma dupla traição. Até ontem aliado político do presidente da Câmara, o deputado do PP-AL, Arthur Lira (à esquerda), Cunha travou tudo em nome de uma costura provinciana à prefeitura de Maceió nas próximas eleições, quando seria vice do atual mandatário, João Henrique Caldas (PL), o JHC. O senador pegou Lira de surpresa na terça-feira (3) ao lhe dar as costas em favor de JHC, que por sua vez também deixou de lado Lira em nome de futuros voos mais independentes.
Para Cunha, o rebaixamento à prefeitura seria uma escala de baixo risco, já que o mandato do senador vai até 2026. Se for mal nas urnas este ano, ele poderia tentar a a Câmara e seguir a vida, em tese como se nada fosse.
Contra essa manobra, Lira socializou a dor da facada nas costas, apresentado a possibilidade de derrubar a PL em seu retorno para reapreciação na Câmara. Assim, uma rara disputa civilizada, multilateral e necessária acabou na soleira do gabinete do prefeito de Maceió. Nesta confusão, o que pensam empresários e consumidores ficou para depois, assim como as possibilidades do Mover, programa descarbonização da frota automobilística e de estímulo à produção de novas tecnologias, seja para carros de passeio, ônibus e caminhões.
Ao fundo, quem pode encontrar motivos para sorrir é o inimigo de Lira, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), que pode ganhar novos amigos com essa briga. Ainda mais se criar condições para coreografar alguma pacificação.
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