Defensor da privacidade nas redes, o ex-chefe do mecanismo de busca francês Qwant agora coleta dados pessoais e trabalha com ditadores
Eric Léandri (imagem) já foi o queridinho do setor de tecnologia da França, elogiado como um defensor da privacidade digital e um exemplo da capacidade da Europa de competir com o Vale do Silício. O mecanismo de busca que Leándri cofundou em 2011, o Qwant, recebeu mais de € 50 milhões em financiamento e empréstimos públicos franceses e europeus. Políticos de primeira linha, como o presidente francês Emmanuel Macron e a chefe antitruste da União Europeia, Margrethe Vestager, endossaram a empresa em contraposição ao seu concorrente americano mais poderoso, o Google.
Porém, as coisas mudaram. Perto da falência, o Qwant foi forçado a buscar um empréstimo de € 8 milhões da gigante chinesa de telecomunicações Huawei. em desgraça, Leándri deixou o cargo de chefe em 2020 e trocou de lado. Seu novo empreendimento, Altrnativ, não é especializado em privacidade, mas no crescente campo de cibervigilância.
Documentos internos da Altrnativ vistos pelo site Politico e repercutidos pelo Le Monde revelaram como a empresa de Leándri investigou os críticos, rivais, funcionários e candidatos a vagas de algumas das maiores marcas da França, como a Dassault Aviation. Sob a marca Altrnativ, oferece serviços junto com armas cibernéticas e drones para governos autoritários africanos em aparente cooperação com traficantes de armas baseados na Polônia e no Oriente Médio.
A jornada de Leándri simboliza as lutas da Europa para criar campeões de tecnologia que possam se manter em um cenário dominado pelo Vale do Silício, Israel e Ásia. O resultado, diz Le Monde, abre uma janela para o mundo obscuro do armamento cibernético e da vigilância cibernética, uma indústria em rápido crescimento na qual empresas como a Altrnativ coletam informações pessoais online com facilidade sem precedentes e as vendem para governos e empresas.
“Nossas informações estão sendo usadas contra nós”, disse ao diário francês Estelle Massé, especialista em proteção de dados do grupo de defesa dos direitos digitais Access Now. “Há um número crescente de atores que não sabemos nada e que tomam decisões muito concretas para nós e nosso futuro: se podemos ou não conseguir um emprego, se podemos ou não ser alvo de retaliação por ter dito algo positivo ou negativo em relação a uma marca”. As informações pessoais das pessoas, disse ela, estão sendo “armadas”.
Os cerca de 4 mil documentos incluem ofertas de produtos, faturas e atas de reuniões internas. Combinados com dezenas de entrevistas conduzidas pelo Politico, eles mostram como uma startup, dirigida por um empresário com laços estreitos com os negócios e o establishment político de seu país, conseguiu garantir contratos com algumas das empresas mais importantes da França.