A invasão do Congresso dos Estados Unidos pelos apoiadores de Donald Trump, na tarde desta quarta-feira (6), em uma tentativa golpista desordenada que abalou a democracia ocidental, trouxe aos holofotes Jake Angeli, 32 anos, conhecido como QShaman. O sujeito será lembrado por percorrer os saguões do Capitólio de rosto pintado, calças de pijama, tronco tatuado e com a cabeça coberta por um cocar sioux de pele e chifres, esbravejando contra o “globalismo” e uma jamais comprovada fraude eleitoral que tirará Trump da Casa Branca em 20 de janeiro.
Patético, agressivo e exagerado, Angeli é adepto da QAnon, teoria conspiratória de extrema direita que acredita na existência de um “estado profundo”, composto por políticos democratas e celebridades no controle do governo dos EUA e de Hollywood – propagando comunismo, pedofilia e destruição de valores cristãos. São ideias rasas que cabem bem para quem deseja entender as complexidades do mundo sem precisar de muito estudo – e interpretação de texto. Só que a QAnon é mais que isso aos olhos do FBI, a polícia federal americana. Desde agosto de 2019, seus adeptos passaram a ser considerados uma ameaça terrorista doméstica. Em julho de 2020, o Twitter suspendeu cerca de 7 mil contas que propagavam suas teorias. Para os agentes federais, eles não são uma organização terrorista clássica, como a AlQaeda, mas um movimento que está em franco processo de radicalização e que pode se tornar mais violento.
Em 2018, a revista Time denunciou a presença de membros da QAnon em comícios de Trump. “É um movimento. É a mudança. Eu posso sentir isso chegando”, afirmou um participante em Wilkes-Barre, Pensilvânia, em 2018, à CNN dos EUA. “Alguns chamam de grande despertar”, completou. Em 30 de novembro daquele ano, quando o vice-presidente Mike Pence esteve na Flórida, foi escoltado pela equipe SWAT de Broward County. Um dos policiais usava um adesivo com o Q vermelho e preto que simboliza o grupo.
A crença mais básica da QAnon aponta que o ainda presidente Trump é uma espécie de herói em uma luta contra o tal estado profundo. A única fonte dessas verdades seria um informante anônimo ligado ao governo conhecido apenas como Q. Um gênio da espionagem jamais descoberto, mas que compartilha tudo o que sabe nas redes sociais. É uma loucura.
O grupo não está apenas nos EUA. É possível identificar células no Canadá, Austrália, Reino Unido, Alemanha e em alguns países latinos. O rede alemã Deutsche Welle publicou uma reportagem em setembro de 2020 sobre o crescimento deles na Europa. O pesquisador Jakob Guhl, do Instituto para o Diálogo Estratégico (ISD, na sigla em inglês), uma think tank baseada em Londres que estuda segurança global e risco político, afirmou que o grupo tem maior disseminação nos países de língua inglesa, porém, na Alemanha eles acabaram se ligando aos neonazistas do Reichsbürger.
Nos protestos desta quarta-feira (6), a morte de Ashli Babbitt, veterana das forças armadas dos EUA, apoiadora fervorosa de Trump e uma das invasoras do Capitólio, causou comoção. Em seu último tweet, afirmou: “Nada vai nos parar …. eles podem tentar e tentar e tentar, mas a tempestade está aqui e está caindo sobre DC em menos de 24 horas …. escuro à luz!”. O seu marido a definiu como uma “grande patriota” nas redes sociais. As circunstâncias da morte de Babbitt ainda não foram divulgadas, porém há um indício de ligação com a QAnon, cujos adeptos sempre citam que uma grande tempestade virá para mudar a política, iluminando o futuro. Nada muito diferente do que prometeram radicais do passado distante ou nem tanto, como Robespierre, na Revolução Francesa, ou Abu Omar al-Baghdadi, fundador do Estado Islâmico.
Em meados de 2020, Trump se recusou em condenar a QAnon e afirmou desconhecer a crescente onda radical que o apoia. “Não sei nada sobre isso”, afirmou durante a campanha presidencial ao ser questionado por jornalistas. Agora que parte do grupo saiu da toca, misturado entre milhares manifestantes que acreditam – sem provas – terem sido enganados, o FBI vai ter trabalho e declarou em nota nesta quinta-feira (7) que os responsáveis por incitar a invasão serão responsabilizados. Não há nada que indique que as teses antigoverno e pró-armas da QAnon possam cevar um novo Timothy McVeigh, autor do atentado de Oklahoma, que matou 168 pessoas (incluindo crianças de uma escola) e feriu outras 700, em 1995. Basta o que fizeram no Capitólio. Nas redes sociais 4chan, Reddit e Parler, o grupo (ao lado dos neofascistas Proud Boys) promete voltar às ruas em 20 de janeiro, dia da posse de Joe Biden. QShaman pretende estar entre eles.