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Doria vai perceber agora as diferenças entre a vida pública e o setor privado?

Quando surgiu na vida pública no início de 2016, saído do colete do então governador Geraldo Alckmin como uma alternativa viável à prefeitura de São Paulo, João Doria mostrava ser uma solução. O PSDB, depois de fadiga de material típica das siglas que passaram muitos anos no comando de um determinado estado, precisava de um nome que representasse renovação e tivesse competitividade eleitoral. E Doria, naquele momento, tinha tudo para ser o símbolo de revitalização que os tucanos tanto precisavam.

Alckmin mostrou que seu palpite estava certo. Seu pupilo saiu da rabeta das pesquisas para a vitória no primeiro turno. O mote do então candidato agradou em cheio o eleitorado – aquele em que Doria se dizia um gestor em vez de político. Seu passado na iniciativa privada, incluindo sua posição de empresário bem sucedido, reforçava esse slogan.

Queimou etapas tradicionais e se sentou rapidamente na janelinha. Isso suscitou inveja e admiração. Eleito, manteve a mentalidade do setor privado em sua curta gestão à frente da prefeitura, chamando empresários para colaborar em diversas iniciativas. O mesmo ocorreu assim que se instalou no Palácio dos Bandeirantes.

Hoje, depois de seis anos como político, pode-se dizer que Doria saiu do setor privado, mas o setor privado jamais saiu de dentro dele. Das duas uma: ou ele ainda não entendeu como funciona a vida pública e o tipo de relacionamento que precisa cultivar com colegas de ofício ou entendeu perfeitamente, mas prefere agir de seu jeito e tentar impor a sua vontade.

Empresários enxergam a concorrência com ferocidade e fazem de tudo para aniquilá-la – mesmo que uma empresa competidora seja comandada por um amigo. É como diz o ditado: amigos, amigos, negócios à parte. Com essa mentalidade, Doria começou a se afastar de seu padrinho político assim que recebeu a notícia de sua eleição. Rapidamente, seu nome foi cogitado à presidência – cargo para o qual Alckmin se preparava para disputar. Em uma atitude um tanto dúbia, o prefeito eleito começou a viajar o país, como se cogitasse entrar em disputa com seu mentor.

Isso, no entanto, não ocorreu. Alckmin foi candidato à presidência pelo PSDB e Doria passou ao segundo turno da eleição que definiria o cargo de governador de São Paulo. Nesta etapa do pleito, a rapidez com a qual abraçou a candidatura de Jair Bolsonaro, porém, não foi bem recebida entre os tucanos, que sempre se destacaram pela cizânia e pelo ciúme.

Em relação ao ex-governador, a impressão que muitos tiveram foi a de Alckmin, após servir aos propósitos de Doria, foi devidamente descartado. Sobre Bolsonaro, houve uma conclusão semelhante – a de que o fenômeno Bolsodoria foi utilizado apenas para viabilizar a eleição ao governo do estado e a aliança preterida logo no início do mandato para que se criasse em torno de Doria a imagem de oposicionista que iria se fortalecer até 2022.

Isso é a verdade ou uma versão difundida pelos inimigos? Talvez exista maldade em acusar o governador de traidor. Mas seu comportamento fomenta essa suspeita.

Aqui temos o primeiro indício de que Doria ainda não compreendeu totalmente como funciona a mentalidade política no Brasil. Os políticos brasileiros traem com frequência seus aliados, mas o fazem de maneira menos explícita, pois sabem que o inimigo de hoje pode ser o aliado de amanhã.

Um exemplo claro de conduta descuidada está no jantar que ele promoveu no Palácio dos Bandeirantes para expulsar Aécio Neves do PSDB (não necessariamente um movimento ruim, já que o ex-governador de Minas enfrenta pesadas acusações de corrupção) e obter a presidência da agremiação. Tanto é que provocou uma reação em cadeia que fortaleceu a permanência de Aécio e a continuidade de Bruno Araújo como presidente da sigla tucana.

Em seus últimos anos como empresário, Doria comandou seu próprio negócio e criou a fama de não ouvir opiniões alheias – muito em função de seu sucesso. Na vida pública, isso pode ser um problema, já que é importante criar consensos e convencer, com habilidade, aqueles que têm posições diferentes. Na história recente da democracia brasileira, todos que tentaram impor suas vontades se deram mal e precisaram repensar seus conceitos.

Todo político é vaidoso. Mas muitos tentam não ser escravos da vaidade. Quando a soberba toma conta de algum líder popular, a dificuldade de se criar consensos ou maiorias é inevitável. Doria conseguirá dominar a própria vaidade? Até agora, não parece ter conseguido. Com o tempo, pode aprender a ser mais comedido no terreno da imodéstia. Mas, antes disso, o governador terá de entender que o jogo político é mais ardiloso, difícil e imprevisível do que as conquistas no setor privado. João Doria está acostumado a ser assediado e a comandar. Mas, na política brasileira, mesmo os mais poderosos tratam potenciais aliados com rapapés, pedem humildemente favores e engolem sapos quando é preciso. Este é um momento decisivo para Doria. Mais do que nunca, para manter o sonho da presidência aceso, ele precisa esquecer o orgulho e construir pontes com despojamento e sem pretensão. Conseguirá?

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