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É preciso tirar o poder público do cangote do cidadão

O ser humano tem reações previsíveis e, ainda assim, extremamente prazerosas.  Quando ouvimos de alguém aquilo que está zanzando em nosso cérebro, de um lado para outro, sem formatação nenhuma, vivemos aquilo que os americanos chamam de “Aha Moment” ou “Eureka effect”. É a realização daquilo que é abstrato em nossas cabeças em forma de palavras. Tive um desses “Aha moments” na sexta-feira, enquanto entrevistava o candidato do PSD à prefeitura de São Paulo, Andrea Matarazzo. Quando instei Matarazzo sobre o que ele – pertencente à família que é um ícone do empresariado paulistano – pretendia fazer para estimular o empreendedorismo na cidade, a resposta teve como abre-alas esta frase: “É preciso tirar o poder público do cangote do cidadão”.

Matarazzo, durante uma hora e meia, discorreu a respeito de seus planos sobre saúde, educação, transporte, inclusão digital, enchentes e muitos outros assuntos. Ele, que professa uma ideologia liberal, acredita que o estado deve diminuir de tamanho e reduzir impostos. Mas, antes de mais nada, afirma que precisamos de uma simplificação de normas, menos exigências legais e burocracia diminuta. Trocando em miúdos, necessitamos um pouco mais da mentalidade americana, que pressupõe a boa-fé dos cidadãos e uma dose reduzida de normas.

Descendente de uma família icônica de empresários e ele mesmo um industrial, não há dúvida alguma sobre a escolha ideológica de Matarazzo. Mas, para o candidato, o cargo de prefeito exige alguém que entenda as necessidades básicas da metrópole. Ou seja, é uma função na qual a zeladoria suplanta a política. Algo na linha “buraco de rua não tem ideologia”. É preciso tapá-lo e pronto.

Como deixou o PSDB em 2016 quando percebeu que não obteria a legenda para concorrer à prefeitura, em detrimento da escolha pessoal do então governador Geraldo Alckmin, que impôs o nome de João Doria, muitos acreditam que Matarazzo é alguém intempestivo. Ocorre que, durante suas exposições, fez questão de não responsabilizar o hoje governador Doria pela pulverização da Cracolândia pelo centro de São Paulo e não dirigiu a Alckmin nenhuma palavra de rancor. Quando instado a apresentar seu julgamento sobre os demais candidatos, foi elegante e dirigiu até opiniões positivas em relação aos concorrentes.

Aplaudiu a decisão de Fernando Haddad de criar as ciclovias e as faixas de ônibus, mas ressalvou que é preciso fazer uma reavaliação destes dois projetos. No caso específico das faixas de ônibus, há avenidas da cidade que ficam congestionadas enquanto os espaços reservados ao transporte público estão desertos. “Precisamos rever alguns trechos”, disse. Ele ainda criticou o Plano Diretor aprovado para a cidade durante o mandato do petista e ressaltou que há como revisá-lo na próxima administração.

Sobre Bruno Covas, tem várias críticas ao prefeito e sua conduta durante a pandemia – em especial a redução da frota de ônibus durante o isolamento social e o rodízio expandido de veículos. Criticou ainda o pagamento de mais de R$ 100 milhões às empresas de ônibus por ressarcimento em função da queda de passageiros, já que o dinheiro poderia ser melhor utilizado no combate ao coronavírus.

Por ter trabalhado no governo estadual, ter sido secretário municipal e até subprefeito da Sé, demonstra um conhecimento técnico exuberante sobre os problemas de São Paulo, incluindo suas sazonalidades. Desfiou propostas racionais e exequíveis com tranquilidade. Pediu desculpas duas vezes por estar falando demais, sempre cordial e gentil.

Será um desafio e tanto. As pesquisas iniciais mostram que ele tem ainda um índice pequeno de intenções de voto. A última enquete, realizada pelo Instituto Atlas e divulgada na sexta-feira, mostra a liderança de Bruno Covas, com 16 %, seguido por um triplo empate. Os candidatos Guilherme Boulos, Celso Russomano e Márcio França teriam, segundo o estudo, 12 % cada.

Matarazzo aparece no final do pelotão, com 2 %. Mas ele está animado, pois acredita que o recall de seu nome, depois de 4 anos fora dos holofotes, ainda é razoável. Para estimulá-lo, há um detalhe que é preocupante aos olhos de quem analisa os fenômenos políticos brasileiros. São 34 % aqueles que declaram votar nulo e branco ou que não sabem em quem sufragar. Ou seja, mais de um terço dos eleitores não têm candidato – e essa massa representa mais que o dobro das intenções de voto do primeiro colocado na pesquisa.

Sempre encerro minhas entrevistas com os candidatos dirigindo perguntas fixas e voltadas para o lado pessoal. A última é emprestada da jornalista americana Barbara Walters: o que os outros pensam de você e estão totalmente errados? Enderecei essa questão ao candidato e recebi a seguinte resposta:

– As pessoas acham que sou arrogante. E talvez tenham essa impressão porque eu não sou de sorrir. Isso provavelmente tem a ver com o fato de que minha mãe era extremamente disciplinadora e me ensinou a levar tudo muito a sério.

Os eleitores vão abraçar o estilo severo de Andrea Matarazzo? Algumas eleições atrás, os paulistanos levaram à vitória outro candidato que praticamente não sorria – e até distribuía algumas broncas aos eleitores. Estamos falando do hoje senador José Serra. Matarazzo conseguirá conquistar o eleitorado também com este jeitão sisudo? Saberemos em novembro, daqui a dois meses.

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