Até a semana passada, vice-presidente Geraldo Alckmin parecia uma reencarnação de Marco Maciel, que era o segundo em comando na era Fernando Henrique: discreto, com participação quase invisível em questões importantes do governo e alinhamento extremo com o Planalto, mesmo quando não concordava com as decisões do presidente da República. Poucos dias atrás, porém, Alckmin veio a público para manifestar seu apoio à candidatura de Tabata Amaral à prefeitura de São Paulo, enquanto o titular Luiz Inácio Lula da Silva irá apoiar o deputado federal Guilherme Boulos, do PSOL.
Isso não vai atrapalhar o entrosamento entre vice e Lula, até porque Alckmin pertence ao PSB e precisa apoiar a candidatura da sigla na eleição de 2024. Mas é uma forma de dividir a Esquerda, já que o ex-governador poderia apoiar o deputado psolista e tentar atenuar a imagem radical do candidato.
O pleito que decidirá o prefeito da capital paulista será marcado por uma desunião total dos espectros ideológicos. Esquerda, Direita e Centro estão disputando espaços com mais de um nome. Boulos e Tabata buscam votos esquerdistas; O prefeito Ricardo Nunes e o deputado Kim Kataguiri estão flutuando entre os centristas e direitistas; por fim, temos o deputado Ricardo Salles e Marina Helena, que deverá ser o nome do Partido Novo (se Vinicius Poit de fato desistir da candidatura), no quadrante direitista.
Nenhum nome, assim, tem o monopólio de seu quadrado – e isso eleva o nível de incertezas, embora nove entre dez analistas apostem em um segundo turno com Boulos e Nunes. Mesmo assim, a dinâmica da campanha pode trazer algumas surpresas.
Haverá a ação forte de duas máquinas nesta eleição. O Planalto fará o possível para conquistar a principal prefeitura brasileira através de seu aliado; já o prefeito Nunes irá utilizar a máquina municipal para tentar a reeleição. Para isso, transformou São Paulo em um canteiro de obras, dando atenção especial aos bairros de formadores de opinião.
Nunes, no entanto, precisa se preocupar com o trânsito insuportável que algumas dessas obras estão causando – em especial a remodelação do início da Avenida Santo Amaro, que está enterrando os fios que hoje enfeiam a região. O projeto, que foi aprovado na gestão do falecido Bruno Covas, trouxe o caos absoluto à região, fazendo com que os moradores percam um tempo precioso nos congestionamentos da região, que passa também pela reforma do Túnel Ayrton Senna e por melhoramentos na Avenida República do Líbano.
Muitas das candidaturas que se apresentam, porém, não serão lançadas com a vitória em mente. Há algum tempo, a eleição para prefeito de São Paulo traz deputados interessados em exposição pública e em aumentar o seu cacife eleitoral para o pleito de 2026. Não é à toa, portanto, que, dos seis principais candidatos, quatro sejam congressistas.
Um deputado em particular abusou deste expediente: Celso Russomano, que muitas vezes despontou como favorito, mas nunca levou. Esse comportamento eleitoral errático o levou a receber o apelido de “cavalo paraguaio”, pois sempre largava na frente, mas se cansava no meio da prova e terminava longe do pódio.
Apesar da profusão de nomes, Boulos e Nunes devem estar mesmo no segundo turno – e o deputado do PSOL deve virar o primeiro turno liderando o número de votos. Mas isso será suficiente para levá-lo à vitória? Ainda é cedo para falar. Uma coisa, porém, é certa. Com Salles candidato, Nunes perderá o apoio de Jair Bolsonaro (pelo menos na primeira etapa do pleito).
Mas talvez esse apoio não seja necessário para sensibilizar parte dos eleitores de direita. Hoje, um dos grandes padrinhos eleitorais em São Paulo é o governador Tarcísio de Freitas, que não se dá bem com Ricardo Salles desde que eram colegas de ministério, na gestão Bolsonaro. Tarcísio deve bater o martelo no apoio a Nunes, que vai aglutinar parte do centro e toda a direita em seu redor. Como se sabe, ganha a eleição quem possui o apoio dos centristas – e, neste caso, parece ser difícil Boulos, mesmo com o banho de loja no quesito moderação, obter a simpatia do Centro. Isso será suficiente para brecar a Esquerda? Alguns deputados do PT acham que não – e apostam na vitória, lembrando as eleições de Luiza Erundina, Marta Suplicy e Fernando Haddad para reforçar essa opinião.
Por enquanto, em relação a essa eleição, temos apenas grandes especulações e poucas certezas. Mas o quadro ficará mais fácil de ler a partir de abril. Até lá, os candidatos vão trocar farpas e cutucões – mas nada muito sério. A forte munição está guardada para ser detonada a partir de maio de 2024.