O presidente Jair Bolsonaro nunca escondeu a admiração por Donald Trump, a ponto de protagonizar momentos de tietagem explícita. Um exemplo ocorreu em 2019, na Organização das Nações Unidas, quando Bolsonaro acabara de discursar e encontrou Trump no backstage, se preparando para falar à Assembleia Geral. “I love you” (“Eu te amo”), disse o brasileiro. “Nice to see you again” (“Que bom te ver novamente”), devolveu o americano.
Há semelhanças no comportamento e nos valores defendidos pelos dois políticos. Mas, quando olhamos alguns detalhes das trajetórias de ambos, podemos destacar outras simetrias, especialmente no que diz respeito ao que ocorreu durante e depois da pandemia.
A Covid-19 provocou uma mudança de atitude em diversos países. As pessoas se sentiram fragilizadas e receosas com a pandemia. Nos Estados Unidos e no Brasil, ambos presidentes se comportaram de uma forma questionável. No início, relativizando a importância do vírus. Depois, tomando medidas contraditórias no combate à contaminação. No caso do Brasil, Bolsonaro foi além de Trump: passou a criticar a vacina, incorporando o discurso de seus seguidores.
Os dois, durante o ano de 2020, não buscaram uma abordagem acolhedora, que confortasse aqueles que tinham perdido entes queridos ou que tinham medo de morrer. Pelo contrário. O tom das mensagens públicas sempre foi de confronto e de maior preocupação com a retomada da economia (algo totalmente compreensível, mas que pode ter soado como insensibilidade para determinadas pessoas).
Tanto Trump como Bolsonaro acreditavam que auxílios emergenciais iriam sensibilizar eleitores. Além disso, acharam que argumentos sobre a economia iriam suplantar questões relativas ao comportamento de cada um dos presidentes.
Em relação a Bolsonaro, as torneiras do dinheiro público foram abertas em direção aos mais necessitados, no afã de conquistar votos que sempre foram da concorrência. Mas a rejeição em torno de sua figura foi maior que os efeitos dos programas sociais e da aceleração da economia, que também reduziu o desemprego.
Conforme a eleição se aproximava, os dois candidatos à reeleição deram mais ênfase ao conservadorismo que o elegeu, colocando o discurso mais à direita. Nesses dois casos, a ideia foi fazer uma retomada da campanha anterior. Somente na reta final é que se tentou um tom mais moderado para tentar pegar parte do eleitorado de centro (no Brasil) e independente (nos Estados Unidos). Aqui, é possível ver a influência dupla exercida pelo estrategista político Steve Bannon, especialmente junto aos filhos do presidente Bolsonaro.
Em ambos os casos, também, os candidatos foram derrotados com mais votos que receberam em suas eleições. Bolsonaro fechou esse pleito com 58,2 milhões de votos, 400 000 a mais que em 2018. Já Trump obteve 74,2 milhões de sufrágios em 2020, contra 62,9 milhões quatro anos antes (que se mimetizaram em 304 no Colégio Eleitoral). Só que Joe Biden conseguiu 81 milhões e cravou 306 delegados do colegiado.
Há, porém, uma diferença substancial entre os dois. Bolsonaro, como Trump, passou boa parte da campanha colocando em dúvida o sistema eleitoral e ficou falando em fraude antes mesmo da campanha começar. Mas, anunciado o resultado, o presidente brasileiro ficou calado. Já o americano instigou um grupo de fanáticos aloprados a invadir o Capitólio e forçar uma espécie de golpe de estado. Vamos ver se Bolsonaro continua quieto e começa a se diferenciar de seu ídolo a partir de agora – ou se ele irá se inspirar novamente no amigo americano. Torçamos para que ele continue do jeito que está e que a democracia prevaleça em nosso país.