Preconceito, machismo, denúncias sem provas e provocações cronometradas são uma rotina tóxica
Um presidente pode ser processado e condenado por preconceito enquanto exerce o poder? Poder pode, claro. Racismo é crime hediondo, inafiançável e imprescritível. Mas e daí? Na tarde desta quinta-feira (12), o presidente Jair Bolsonaro (PL), querendo fazer graça, criou um episódio repetido que vai dar em nada de novo – pois toda as mancadas e desrespeitos são apenas mal-entendidos desculpáveis. No cercadinho do Palácio da Alvorada, onde se concentram seu apoiadores, ele perguntou quantas arrobas um apoiador negro pesaria. Sugerindo que seriam umas sete, o que dá uns 103 quilos. Até aí, quase tudo bem. Eu peso umas 5,5 arrobas. Não fosse o termo ser uma antiquada medida para pesar animais vivos na hora da comercialização. O chiste não foi descuido. Em abril de 2017, em visita à Hebraica, no Rio de Janeiro, o então pré-candidato criticou desdenhosamente brasileiros quilombolas.
Sem provas
“O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles”, disse Bolsonaro. Nesta quinta-feira, após falar do peso do apoiador, emendou: “Sabia que já fui processado por isso? Chamei um cara de ‘oito arrobas”. E deu em nada. As representações junto à Procuradoria-Geral da República (PGR) foram rejeitadas no Supremo Tribunal Federal (STF) e a indenização de R$ 50 mil na esfera cível foi anulada pelo Tribunal Regional Fedral da 2ª Região (TRF-2). O caso nem foi para revisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Bolsonaro continua sendo quem sempre foi, racista, misógino e homofóbico, conforme MONEY REPORT já comprovou, só que com a proteção do cargo mais elevado do país. Mas se a coisa aperta, parte para o não é bem assim. Em sua live semanal de quinta, rebateu o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e ministro do STF, Edson Fachin, que criticou a tentativa de oficiais generais de se colocarem no papel fiscalizador nas eleições. “Eu não sei de onde ele está tirando esse fantasma que as Forças Armadas querem interferir na Justiça Eleitoral”, disse. Bem, os militares entregaram uma série de sugestões ao TSE que acabaram descartadas. O tribunal negou de forma assertiva três das sete sugestões do Ministério da Defesa ao Comitê de Transparência Eleitoral (CTE) e declarou que o restante já estava em prática, ou seja, não havia o que mudar. O objetivo do governo é colocar em dúvida a segurança das urnas eletrônicas diante de fraudes. Só que o presidente jamais apresentou uma prova sequer – nem em seu passado como deputado federal e estadual.
Provocações
“Não existe interferência, ninguém quer impor nada, ninguém quer atacar as urnas, atacar a democracia, nada disso. Ninguém está incorrendo em atos antidemocráticos. Pelo amor de Deus! A transparência das eleições, eleições limpas, transparente, é questão de segurança nacional”, disse o presidente, após dias atacando o sistema eleitoral sem sucesso. Esta semana, em Maringá (PR), disse que seu governo não aceitaria “provocações”. No feriado de 7 de setembro do ano passado, ele levantou o tom contra o STF por temer um processo de impeachment que acabou barrado no Senado.
Afirmar não aceitar provocações é algo contraditório. Tudo relatado acima trata disso. A começar pelo questionamento sem provas de um sistema de apuração de votos elogiado no mundo inteiro. E se há dúvidas, por qual razão a presença de observadores das Nações Unidas nas eleições foi descartada? O Brasil participou de seguidas missões do gênero em países da América Central colhendo elogios – e com a participação de militares, policiais, advogados, sociólogos, professores universitários. Por isso, se o próprio governante duvida do sistema que o colocou no poder, deveria aceitar ajuda. Vai que alguém de fora descubra algo. Vai também que outro alguém mostre que não há desdém, sexismo, racismo, preconceito e laivos autoritários intoxicando a vida política.
Bolsonaro volta a usar expressão racista e diz que negro é pesado em ‘arrobas’ (via @EstadaoPolitica) pic.twitter.com/yvNLuceQIB
— Estadão 🗞️ (@Estadao) May 12, 2022