Há coisas que só existem no Brasil e a sabedoria popular tratou de apelidá-las de “jabuticabas”. Como o fruto que só nasceria por aqui, são medidas que jamais foram pensadas em todo o mundo, mas aqui existem e sua presença entre nós é encarada com estoicismo e resiliência. Essa tese da jabuticaba foi popularizada por um discurso do economista Pérsio Arida ao receber um prêmio em 2003 – mas Arida equivocou-se ao dizer que esse fruto é encontrado apenas em terras brasileiras. De fato, a jabuticabeira é uma árvore nativa do Brasil, mas pode ser achada também na Argentina e no México.
Um exemplo recente dessa vontade de criar soluções extravagantes e unicamente nativas foi o decreto que criou o rodízio de automóveis ampliado, um fracasso retumbante. Apesar dos inúmeros avisos, o prefeito Bruno Covas (foto) resolveu decretar uma medida que ampliou o uso do transporte público e elevou a circulação de automóveis na rua. Diante das evidências, porém, desistiu da sandice em seu sexto dia de implementação.
O malogro dessa iniciativa talvez fosse a deixa para que as autoridades de São Paulo pensassem em soluções mais simples e fáceis de explicar para proteger o isolamento social e combater a contaminação desenfreada do coronavírus. Mas o que se percebeu foi exatamente o contrário.
A ideia luminosa da vez é antecipar três feriados (dois municipais e um estadual) e decretar um ponto facultativo. Assim, as datas comemorativas de 9 de julho, Consciência Negra e Corpus Christi devem ser amontoadas para formar um mega feriadão entre os dias 20 a 25 de maio.
É o caso de se perguntar: não seria mais fácil decretar o lockdown por uma semana em vez de inventar um feriadão que não serve para nada?
Em sua entrevista de ontem, o prefeito Covas brincou com os números para justificar o rodízio amalucado e afirmar que o lockdown seria evitado caso o índice de isolamento durante o feriado ficasse acima de 56 %, como no último domingo (numa insinuação que o rodízio teria provocado um isolamento maior que a média observada anteriormente na cidade).
Ocorre que, nos quatro domingos anteriores ao escalonamento forçado, esse indicador foi superior, chegando a 58 %. Ou seja, com rodízio e tudo, o isolamento foi inferior inclusive no domingo, no qual a atividade comercial (com coronavírus ou não) é significativamente menor. Esses dados podem ser checados na página https://www.saopaulo.sp.gov.br/coronavirus/isolamento/ , escolhendo a opção “São Paulo” no mecanismo de busca por região.
Por ser implementado, por enquanto, apenas na capital paulista, o feriadão não evita a necessidade de deslocamento de inúmeros profissionais de segurança, manutenção, alimentação, backoffice de grandes corporações, logística e igualmente aqueles que trabalham em empresas cuja atuação é nacional (quem está em regime remoto já não circulava e assim continuará). Outro detalhe: supermercados, farmácias e padarias – estabelecimentos que acabam atraindo um fluxo razoável de pessoas – continuarão de portas abertas. Portanto, a ideia pode ter o mesmo destino do rodízio de Covas: o insucesso.
Os eleitores estão cansados dessas invencionices. É melhor dizer logo que a cidade precisa de um lockdown e enfrentar eventuais críticas. Ficar inventando desculpas esfarrapadas para fazer a mesma coisa com um nome diferente e se esquivar do ônus político que vem com uma decisão dessas é algo que a população não tolera mais. Acabou a era do “me engana que eu gosto”. As autoridades precisam entender isso. Ou vão desaparecer da vida pública.