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Gorbachev morre entre a URSS que derrubou e a Rússia que jamais quis

“Mikhail Sergeevich Gorbachev morreu esta noite após uma doença grave e longa”, informou de modo lacônico e protocolar o Hospital Clínico da Academia Russa de Ciências, em Moscou, nesta terça-feira (30). O último líder da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) fazia hemodiálise e, por recomendação médica, ficou internado durante boa parte da pandemia. Ele se foi perdido entre vácuos. O primeiro provocado pela idade avançada que lhe tirou o semblante arguto e simpático, oposto aos de seus antecessores desde a Revolução de Outubro de 1917 (novembro em nosso calendário), o segundo, pela extinção do mundo que viveu e da morte prematuro do futuro que almejou para seus compatriotas.

Mesmo assim, Gorbachev deixa ao mundo a lembrança do terror que evitou. Como secretário-geral do Partido Comunista Soviético (1985-1991), o PCUS, e brevemente presidente da URSS (1990-1991), foram seus esforços diplomáticos que em grande parte contiveram a escalada armamentista nuclear com os Estados Unidos. Suas ações pelo Fim da Guerra Fria lhe garantiram o prêmio Nobel da Paz em 1990.

Em paralelo, encantou o mundo com a possibilidade de duas fracassadas reformas paralelas, a glasnost e perestroika, respectivamente, “transparência” e “reestruturação” – palavras não muito diferentes das que ouvimos por aqui em matéria de reformas. A primeira pretendia esvaziar gradativamente o poder absoluto do PCUS, descentralizando parte das decisões políticas no país. Já a reestruturação governamental e reorganização deveriam eliminar a baixa produtividade e conferir alguma eficiência à economia. Tais metas se mostraram falhas e, como descreveu seu biógrafo Zhores Medvedev “Gorbachev não é um liberal nem um reformista ousado”. No glossário marxista, teriam lhe faltado as “condições objetivas” para a mudança, seja por falta de habilidade, resistências internas e deficiências infraestruturais. É possível apontar uma dúzia de causas diferentes.

Oligarcas

O caos econômico subsequente levou ao desmanche da URSS, que abandonou o socialismo de modelo centralista leninista-stalinista sem jamais adotar um capitalismo de mercado, nem sequer a social-democracia, que veladamente Gorbachev admitia em alguns níveis, mesmo antes de assumir o poder, após a morte do já idoso e breve no poder Konstantin Chernenko (1984-1985). Afastado do poder e desprezado pelos compatriotas por causa da longa crise que criou e não soube domar, viu a indústria pesada, em especial as de mineração e de petróleo, serem fatiadas entre os novos oligarcas amigos do pode , em especial a partir da chegada Vladimir Putin ao Kremlin, em 2000.

Prestigiado no Ocidente, hoje se sabe que foi manipulado por Putin, que o usou para abrir portas aos negócios com países europeus enquanto ainda se fazia apresentar como um democrata, apesar de “um certo autoritarismo”, como descreveu Gorbachev. Enquanto criticava a atuação do governo George W. Bush, que tentava pressionar a Rússia, assim como a contínua expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte, o antigo líder teve suas iniciativas políticas paulatinamente cerceadas por Putin.

Quando eclodiu a guerra separatista na Ossétia do Sul, em 2008, viu uma mini nova Guerra Fria se instalar com o apoio americano à Geórgia. Sem poder, mas ainda com prestígio, criticou a manipulação das eleições de 2011, alegando no ano seguinte que Putin “incorporou as piores características burocráticas da União Soviética”. Depois, apoiou a onda de protestos que durou dois anos e deu a desculpa para o governo se tornar ainda mais autoritário. Em 2014, alertou que o conflito no Donbass, na Ucrânia, poderia criar as condições para um novo conflito em larga escala contra o Ocidente. Ninguém deu bola.

Herança roubada

E foi assim. De derrota em derrota, um dos homens mais poderosos do mundo nos anos 1980 e de maior influência no século 20 escreveu seu nome na história pela revolução que não fez. Com avós maternos ucranianos, nasceu em Privolnoye, em Stavoprol, entre os mares Negro e Cáspio, em 1931, durante a Grande Fome. Em seu livro de memórias, registrou: “Naquele ano terrível [em 1933] quase metade da população de minha aldeia natal, Privolnoye, morreu de fome, incluindo duas irmãs e um irmão de meu pai”. O irônico é que seu avô materno era um ferrenho comunista que ajudou a criar a fazenda coletiva perto de sua vila. Depois, ambos foram presos e torturados nos Expurgos de Stalin.

Doente, em seus anos finais Gorbatchev expressou seu repúdio a Putin, que lhe roubou a herança política tentando recriar uma Rússia que repete a URSS no que há de pior em termos políticos. Conforme seu desejo, será enterrado no cemitério Novodevichy, em Moscou, em um túmulo familiar ao lado de sua esposa, Raíssa, falecida em 1999.

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