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Haddad precisa combinar o jogo com Lula

Dez anos atrás, moderei um debate entre três ex-presidentes do Banco Central: Henrique Meirelles, Gustavo Franco e Armínio Fraga. Estávamos no segundo mandato de Dilma Rousseff e o tema discutido era a queda de juros, já que a economia estava (para variar) sob a ameaça de um repique de inflação. Meirelles, então, saiu-se com a seguinte metáfora: “O ideal, para um ser humano, é se movimentar e fazer exercícios; mas, em momentos graves, um indivíduo precisa de repouso absoluto. Com os juros, é a mesma coisa: idealmente, as taxas teriam de ser baixas, mas há instantes em que precisamos aumentá-las”.

Ocorre que, naquele contexto, Dilma vivia pressionando o Banco Central pela queda da Selic (lembremos que isso se passou antes da independência do BC). Nessa hora, então, eu disse: “Bem, para isso, precisamos antes combinar com a dona do hospital, pois ela quer botar o doente para disputar a maratona”. Esse momento me veio à cabeça após saber da intervenção do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no jantar de despedida de Rodrigo Pacheco, que estava em seus últimos dias como presidente do Senado.

Aos presentes, Haddad disse que sua agenda à frente do ministério possuía três eixos; responsabilidade fiscal; melhoria do ambiente de negócios, com apoio ao empreendedorismo; e transição ecológica. Até aí, tudo bem. São objetivos dignos de registro. Mas, convenhamos: para realmente colocar essa pauta para funcionar, o ministro deveria combinar o jogo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Sobre a responsabilidade fiscal, é público e notório que Lula apenas aprovou algumas medidas de contenção de despesas após ter sido pressionado pelo Congresso e pela chamada Faria Lima. Chegou-se a uma solução medíocre, que a maioria dos economistas diz não ser suficiente para tapar o rombo estatal, mas Lula reforçou recentemente que, no que depender dele, “não tem outra medida fiscal”.

Haddad também afirmou que uma de suas prioridades é melhorar o ambiente de negócios, com ênfase no empreendedorismo. Mas o presidente, volta e meia, dá declarações que deixam os empresários inseguros – ou adota um discurso que estimula uma pendenga entre pobres e ricos. Recentemente, é verdade, ele admitiu que uma parte significativa dos brasileiros não quer carteira assinada e sim empreender. Por isso, o governo teria de compreender essa mudança e trabalhar de acordo com o novo perfil do brasileiro. Ótimo. Mas entre o discurso e a prática, ainda falta muito para que o Planalto adote uma postura pró-empreendedor.

Por fim, Haddad mencionou a transição ecológica. Só que, nesta semana, ele prometeu ao novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que iria destravar os estudos sobre exploração de petróleo em águas profundas na Margem Equatorial brasileira (trata-se da faixa litorânea entre o Amapá e o Rio Grande do Norte, a chamada Foz do Amazonas). Esse assunto é visto com muito cuidado pelos ambientalistas, que são contrários à extração de combustível fóssil no local. Mais uma vez, Haddad fala uma coisa que não se afina com as palavras do presidente.

Essas contradições só fazem piorar, ironicamente, o ambiente de negócios – uma das prioridades do ministro. Para deixar o cenário mais difuso, são poucos os que acreditam que possa existir espaço para que Lula se alinhe com as necessidades dos empresários. Com a insegurança em alta, os investimentos se escasseiam e deixamos passar oportunidades de expansão que poderiam criar empregos e elevar a arrecadação do governo.

As intenções de Haddad parecem ser sinceras. O problema, no entanto, é saber se o presidente tem ideia de quais são as prioridades do ministro. Até agora, pelo jeito, não não se pode dizer que há uma forte sintonia entre os dois.

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