Se quisermos nos esforçar pela liberdade, o primeiro passo será promover uma ideologia sólida
A turbulência política no Oriente Médio ressalta um dos aspectos mais profundos da visão de mundo de Ludwig von Mises: todos os governos, em última análise, contam com o consentimento dos governados.
Embora a afirmação inicialmente pareça absurda – quem poderia argumentar que uma ditadura está sujeita à vontade do povo? – há um sentido importante em que é verdade. A visão de Mises tem ramificações para a escolha de métodos na luta pela liberdade e mostra a importância crítica de educar as massas em doutrinas sólidas.
Mises sobre Poder e Ideologia
Em sua Magnum Opus, Ação Humana, Mises explica a conexão entre poder e ideologia:
Um sistema durável de governo tem que estar baseado numa ideologia aceita pela maioria. O “verdadeiro” fator – as “forças efetivas” que sustentam o governo e que atribuem aos governantes o poder de usar violência contra grupos minoritários renitentes – é essencialmente ideológico, moral e espiritual. Os governantes que não reconheceram este princípio básico de governo e, confiando na suposta invencibilidade de suas forças armadas, menosprezaram o espírito e as ideias foram finalmente depostos por seus adversários. A interpretação muito comum em diversos livros sobre política e história, que afirma ser o poder um fator “real” não dependente de ideologias, é um equívoco.
Quem interpreta o poder como sendo o poder físico ou “real” de se impor, e considera a ação violenta como a própria origem do governo, vê as coisas do ângulo estreito de um oficial subalterno no comando de uma unidade do exército ou da polícia.
Para o chefe do governo, entretanto, as coisas são diferentes. Ele precisa esforçar-se para preservar a moral das forças armadas e a lealdade do resto da população, uma vez que estes fatores morais são os únicos elementos “reais” sobre os quais repousa a duração do seu domínio. Seu poder definha, se a ideologia que o suporta perde a força.
O liberalismo entende que os governantes, que são sempre uma minoria, não podem permanecer indefinidamente no poder sem o apoio consentido da maioria dos governados. Qualquer que seja o sistema de governo, a base sobre a qual é construído e que o sustenta é sempre o entendimento dos governados de que obedecer e ser leal a este governo serve melhor os seus próprios interesses do que a insurreição e o estabelecimento de um novo regime. A maioria tem o poder de rejeitar um governo impopular e usa este poder quando se convence de que o seu bem-estar assim o exige.
Até os ditadores repousam em ideologias
Muitas pessoas zombam quando ouvem pela primeira vez as alegações de Mises. Há sentido em dizer isso de um ditador, que suprime violentamente toda a oposição, governa pela força e não consentimento?
No entanto, o comportamento real dos ditadores prova a profunda verdade na análise de Mises. Por exemplo, a própria marca de uma sociedade totalitária fechada é que a mídia é toda controlada pelo governo. Mesmo os grafites que desafiam o regime são rapidamente removidos, muito mais rapidamente do que as autoridades limpariam algo comparável em uma sociedade relativamente aberta. As escolas servem como campos de doutrinação, ensinando a próxima geração sobre as virtudes do regime. Finalmente, o governante soberano pode passar horas todas as semanas fazendo discursos prolixos, não explicando quantas armas e agentes da polícia secreta estão à sua disposição, mas, ao contrário, explicando como o povo é afortunado por ser cuidado por um homem tão sábio e inteligente, por um “líder benevolente”.
“Em última análise, são as ideias que determinam para que lado os soldados apontam suas armas.”
Todos esses sinais reveladores de uma ditadura reforçam a observação de Mises: o regime só pode durar se mantiver a ilusão de que é benéfico para as massas. A mera força física não é suficiente, porque, em última análise, são as ideias que determinam para que lado os soldados e policiais apontam suas armas.
Podemos interpretar os eventos no Oriente Médio através deste prisma. Para entender por que Mubarak foi derrubado com relativa facilidade, em contraste com o derramamento de sangue na Líbia, precisamos aprofundar a análise e perguntar por que Mubarak perdeu o apoio do exército, enquanto Gaddafi manteve a lealdade de um número considerável de subordinados que estavam dispostos a matar e morrer em seu nome.
Como Mises explicou, tal análise da “política de poder” não diz respeito principalmente às estatísticas militares sobre a força das tropas. Em vez disso, a análise se concentraria nas ideologias predominantes que norteiam tanto as forças armadas quanto o público em geral que se rebelava contra o regime.
Lições para a liberdade
Olhando com um olhar “misesiano”, há duas lições importantes que podemos tirar da turbulência no Oriente Médio. Primeiro, vemos que é possível derrubar um regime odiado sem recorrer a uma guerra civil. Embora os comentaristas americanos estejam discutindo sobre o quão pacíficas eram as multidões egípcias, é inegável que poucas pessoas, mesmo seis meses atrás, teriam previsto que a implosão de Mubarak ocorreria tão espontaneamente e com tão poucas perdas de vida.
A segunda lição é a importância de ter uma ideologia sólida, para que as massas tenham uma visão compartilhada de como funciona uma sociedade livre e o que é necessário para mantê-la. Todos no mundo anseiam por liberdade e ninguém gosta de viver sob uma ditadura brutal. Mas se os egípcios acreditam que o sucesso histórico dos Estados Unidos veio de suas eleições periódicas – em oposição ao seu relativo respeito pela instituição da propriedade privada – então eles terão uma péssima notícia.
Ambas as lições destacam a importância crítica de educar para a liberdade. Se um número suficiente de pessoas entender a liberdade e retirar seu consentimento, um regime opressor cairá sob seu próprio peso, como Étienne de la Boétie descreveu tão eloquentemente.
No entanto, para colocar algo durável e superior no lugar do antigo regime, o homem comum também deve saber mais do que meros slogans como “liberdade” e “democracia”. Não é necessário que a maioria seja formalmente treinada em ciências políticas e economia, mas é necessário que a “sabedoria convencional” seja, de fato, sábia nesses assuntos. Infelizmente, muitos “combatentes da liberdade” em todo o mundo parecem pensar que o problema com governos opressores são as personalidades específicas no topo, em oposição às próprias instituições.
Conclusão
Instituições educacionais como o Mises Brasil (incluindo o Mises Academy) sempre tiveram o objetivo de educar para a liberdade, e seu alcance é verdadeiramente global. Se quisermos nos esforçar pela liberdade, o primeiro passo será promover uma ideologia sólida.
____________________________
Por Robert P. Murphy
Publicado originalmente em: abrir.link/327dn