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Impressões sobre minha entrevista com o candidato João Doria

Entrevistei, anteontem, o governador João Doria.

Nos conhecemos em 1998. Eu trabalhava no antigo HSBC e tinha sob minha responsabilidade os patrocínios institucionais do grupo. Ele, por sua vez, era o organizador de um evento automobilístico e queria o apoio financeiro do banco. Nesta primeira reunião, fiquei impressionado com a sua capacidade de persuasão e talento para vender uma ideia. Não fechamos o tal patrocínio por falta de verba, mas lembro ter pensado que, com aquele discurso, ele bem que poderia ser político, exatamente como seu pai (o João Doria sênior, por sinal, era amigo do Aluizio Falcão sênior).

Nossos caminhos se cruzaram outras vezes até que, em 2004, tive a oportunidade de acompanhar sua trajetória de perto, pois Cristina foi trabalhar com ele e se tornou responsável pela área comercial de seus eventos durante dez anos. O lado político de Doria, já aparente em 1998, veio à tona durante esse período.

Como se estivesse em um camarote privilegiado, pude testemunhar um crescimento avassalador de sua empresa, turbinado por algumas características que o acompanham até hoje: perseverança, detalhismo e resiliência. Tudo isso temperado com uma capacidade única para a oratória e a arte de encantar os interlocutores.

Desde sua passagem para o campo da política, conversamos algumas vezes. E, de lá para cá, pude ver uma transformação significativa em seu perfil. Até pouco tempo atrás, ele apresentava um discurso vendedor e marqueteiro, com promessas de gestão pública séria e ideias liberais. Hoje, porém, é um político que tem realizações a mostrar.

Antes que o governador chegasse ao nosso auditório, disse ao pequeno público presente (separados por uma distância segura e todos usando máscaras de proteção) que iria perguntar sobre suas ideias em uma eventual presidência – temas pouco explorados em seus colóquios até agora. Curiosamente, no meio da entrevista, o governador se queixou de que os jornalistas tinham a mania de falar sobre o passado e não sobre o futuro. Foi a minha deixa para questioná-lo sobre seus planos de governo, começando pela área econômica.

Ironicamente, Doria respondeu as questões sobre o futuro falando do passado – ou seja, listando suas realizações enquanto prefeito e governador como exemplos de propostas para o Planalto. Ele citou como realizações importantes a reforma administrativa feita pelo governo estadual e nove privatizações de estradas. Além disso, elencou os esforços ambientais empreendidos pelo Palácio dos Bandeirantes – em especial a despoluição dos rios Pinheiros e Tietê, uma obra que, segundo o governador, já completou 65 % de seu total.

Um dado impressionante é o caixa do governo paulista: cerca de R$ 21 bilhões, o que lhe conferiria teoricamente mais poder de investimento em projetos do que a capacidade da União Federal. Destacou o trabalho do secretário Henrique Meirelles – um detalhista como Doria – na consolidação destes recursos. Aliás, citou vários colaboradores durante a entrevista, além do ex-presidente do Banco Central. Dois deles ganham destaque: Patrícia Ellen, secretária de Desenvolvimento Econômico, e Rodrigo Garcia, seu vice-governador, a quem Doria chama de “CEO do Governo de São Paulo”.

Ao valorizar o trabalho de equipe, Doria se mostra uma antítese a Bolsonaro, que frequentemente é criticado por suas escolhas ministeriais (há exceções, é claro, mas formam uma minoria na Esplanada dos Ministérios) e também por exagerar na escolha de militares para cargos importantes na administração federal.

Ao ser questionado sobre o ex-governador Geraldo Alckmin e sua eventual saída do PSDB, Doria disse respeitar o ex-aliado. Mas demonstrou uma certa frieza ao falar de Alckmin, fato que causou estranheza em alguns empresários que acompanharam a entrevista.

O governador, enfim, está mais com jeito de político do que de “gestor”, como ele gostava de se definir nos tempos de candidato a prefeito. Ele não ignorou minhas perguntas como fazem outros personagens da cena política, mas dedicava pouco tempo para criar algum tipo de conexão com a resposta e costurava o discurso para enfatizar outro tópico que está em seu check-list de assuntos prioritários.

Um exemplo disso foi quando perguntei o que ele achava do pacote tributário e especificamente da cobrança de 20 % de impostos sobre dividendos. Ele fez críticas ao governo Bolsonaro, como é de se esperar de um candidato oposicionista, e disse que não podia concordar com medidas que sufoquem o capital. Mas deu uma certa volta para responder à pergunta original.

Você pode conferir a entrevista aqui: https://www.moneyreport.com.br/politica/as-propostas-do-presidenciavel-joao-doria/

É possível ver, neste vídeo, que o governador termina algumas respostas com frases de efeito. Uma sugestão: deixar isso para apenas um determinado momento durante a entrevista. A repetição deste recurso mostra que uma parte da conversa foi treinada e pré-preparada pelo governador, o que tira a espontaneidade e diminui a conexão com o eleitorado. Neste mundo dominado pelas redes sociais, um candidato que pareça ensaiado demais tem maior dificuldade de crescer junto aos eleitores do que aqueles que são espontâneos e nada fakes – neste caso, concorde-se ou não com o teor dos discursos, tanto Bolsonaro como Luiz Inácio Lula da Silva estão anos-luz à frente do governador.

O caminho de Doria para chegar a um eventual segundo turno deverá ser dificílimo. Mas ele, que iniciou sua primeira campanha eleitoral com intenções de votos inferiores a 2 %, não se abala com esse tipo de agrura – pois já virou outros jogos antes. Conseguirá virar mais este? Será difícil. Mas não impossível.

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