Nesta semana, o ex-governador Claudio Lembo nos deixou. Tomei conhecimento de sua figura nas eleições de 1978, quando concorreu pela Arena ao Senado contra André Franco Montoro e Fernando Henrique Cardoso, na época com o MDB. Foi uma campanha elegante e de alto nível, com os três candidatos posando para fotos em diversas ocasiões. Sua figura chamava a atenção, já na época, pelas vastas sobrancelhas e pelo uso contínuo de uma gravata preta (os mais próximos, discretos como ele, diziam que era em função de um luto familiar).
Lembo deixou a Arena já em 1980 e migrou para a oposição, filiando-se ao MDB. Em 1985, teve papel importante ao virar votos do PDS (sucedâneo da Arena) para Tancredo Neves no Colégio Eleitoral que elegeria o presidente da República e sepultaria de vez a ditadura militar.
No ano seguinte, filiou-se ao PFL (que reuniria arenistas e emedebistas moderados) e aceitou o convite de Jânio Quadros para ocupar a secretaria de Negócios Jurídicos da Prefeitura de São Paulo. Foi no governo municipal, aliás, que ele começou sua vida pública.
Lembo havia ingressado no Banco Itaú em 1962, alcançando o posto de diretor jurídico da instituição. Mas, quando Olavo Setúbal foi indicado para o cargo de prefeito de São Paulo (durante o governo militar, os prefeitos de capitais eram escolhidos indiretamente), Lembo foi ajudar o dono do banco e ocupou a secretaria de Negócios Extraordinários.
Em 1979, teve uma reunião com Leonel Brizola, que voltava do exílio e havia sido anistiado. Os dirigentes de seu partido, a Arena, não gostaram nada da conversa e ele foi formalmente advertido. Quando questionado pelos jornalistas sobre a bronca partidária, respondeu: “Sinto, na verdade, a presença de autoritarismo, mesclado por um provincianismo ridículo”.
Certa vez, deu uma entrevista na qual afirmou que o Brasil não tinha deixado de ser uma nação dividida entre Casa Grande e Senzala. “Quando os escravos foram libertados, quem recebeu indenização foi o senhor, e não os libertos, como aconteceu nos EUA. Então é um país cínico. É disso que nós temos que ter consciência”, afirmou.
Essa frase incomodou vários colegas de partido, entre os quais o então senador Antonio Carlos Magalhães. Conhecido pelo pavio curto e língua ferida, ACM disse que Lembo tinha “cara de burro”. Ele nem se incomodou. “Isso é típico de senhor do engenho. Tudo o que eu disse sobre a burguesia branca ficou caracterizado na frase dele”, cutucou.
O ex-governador, por sinal, foi quem mais usou, em tom crítico, os termos “burguesia branca” e “elite branca”. Em 2007, por exemplo, surgiu o movimento “Cansei”, com o propósito de apoiar as famílias do voo 3054 da TAM, que caiu em Congonhas. Mas, após a primeira reunião, que foi marcada por gritos de “Fora, Lula”, o tom adotado foi de oposição ao governo petista. Lembo debochou da iniciativa e disse que aquilo era coisa da “elite branca”.
“Deve ter começado em Campos do Jordão”, alfinetou. Os jornalistas adoravam a sua presença em eventos públicos, pois sabiam que teriam sempre uma boa frase para publicar. O próprio Lembo tinha consciência disso e fazia questão de cultivar seu bom relacionamento com os repórteres de política. “Como estou velho, falo o que penso. O que posso fazer é ser nítido e claro”, disse certa vez.
Vá em paz, governador. Sua inteligência, ponderação e elegância vão fazer falta por aqui.
Uma resposta
Ponderacao e elegancia? O que e isso? 🤔