Nos últimos 150 anos, sua figura é usada para justificar contínuas reinterpretações da Declaração de Independência e da Constituição dos EUA
O “pragmatismo maquiavélico” é a desculpa mais usada para justificar os ataques de Lincoln à liberdade, mas há outra, muito presente no filme, que deve ser mencionada aqui. No final de sua obra, Spielberg dirige uma cena em que o presidente aparece montado em um cavalo entre os restos de um campo de batalha. A fotografia é incrível e dá para sentir a dor que o corpo de Daniel Day-Lewis transmite. Na cena seguinte, se a memória me servir corretamente, o presidente conversa com o general Ulysses S. Grant sobre o fim da guerra. Ainda de luto pelo que acabara de testemunhar, Lincoln é benevolente em seu tratamento com soldados e oficiais confederados. Em seguida, ele fala sobre as imagens brutais que acabara de ver. Na época, eu só conseguia pensar na desculpa frequente dada pelos entusiastas de Lincoln de que ele desconhecia a ofensiva contra a liberdade e os massacres de civis durante a guerra.
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Um dos traços que são exaltados em Abraham Lincoln é sua capacidade de microgerenciamento e sua fixação por ela. O presidente era conhecido por trabalhar meticulosamente em questões menores e, no entanto, querem que acreditemos que Abe não estava diretamente envolvido e desconhecia tais atrocidades? Justificar fins já é uma desculpa muito ruim, mas brincar de burro e afirmar que Abe não tinha conhecimento dessas ações é para lá de ridículo.
A questão é que Lincoln viu na guerra, e em sua suposta missão de libertar os escravos, a oportunidade de ampliar e fortalecer o governo federal. Ele viu a possibilidade de sequestrar os poderes originalmente atribuídos aos estados. A certa altura, ele ficou tão ansioso para começar o combate que, por escrito, parabenizou seu comandante naval por forçar a Carolina do Norte a disparar o primeiro tiro da guerra.
É verdade que os estados do Sul queriam manter a escravidão, mas este não era o primeiro ponto de sua agenda. A região Sul foi a mais afetada pelas altas tarifas impostas pelo governo federal. Violações adicionais da soberania dos estados, incluindo, mas não se limitando a, o caso da escravidão, contribuíram para colocar mais tensão sobre a mesa. Por outro lado, a postura agressiva de Lincoln sempre foi evidente. No próprio discurso de posse, durante o qual afirmou que não tinha nenhum problema com a instituição da escravidão no Sul e que não se tratava de uma questão de poder federal, Abe emite uma ameaça muito clara aos estados do Sul quando se trata de arrecadação de impostos. O Norte, e Lincoln, temia que o Sul e suas práticas de livre comércio acabassem com um fluxo significativo de negócios da União. Assim, o desejo de consolidação do poder federal, muito presente entre os partidários de Lincoln, encontrou nos abolicionistas um aliado perfeito na luta contra os separatistas do Sul.
Se fosse permitido ao Sul tornar-se independente e estabelecer o livre comércio, o comércio exterior teria sido maciçamente desviado dos portos do Norte para os do Sul, pois os comerciantes buscariam um regime de baixas tarifas ou o livre comércio do Sul. “Deixe o Sul adotar o sistema de livre comércio”, alertou o Chicago Daily Times, e “o comércio do Norte será reduzido a menos da metade do que é agora”.
Tom Woods, “O guia politicamente incorreto para a história americana”.
Durante a maior parte de nossa história, as únicas fontes de receita federal foram os impostos e as tarifas. Durante a década de 1850, as tarifas representavam 90% da receita federal. Os portos do sul pagaram 75% das tarifas em 1859. Que político “responsável” permitiria a perda desses altos rendimentos?
Walter Willians, em seu artigo “Abraham Lincoln“.
Por fim, foi eliminado um obstáculo natural contra o crescimento do governo federal. Até então, a União era considerada um acordo voluntário na forma como havia sido constituída pelos Pais Fundadores. Os estados vieram antes e voluntariamente concederam alguns poderes à União. Poderes que, se ultrapassados, poderiam ser rapidamente suspensos pela simples ameaça ou saída efetiva de um estado insatisfeito com a União. Essa situação manteve o governo federal atento o tempo todo e, como consequência, impediu que seu crescimento imparável ocorresse. Os três poderes, Judiciário, Legislativo e Executivo, não são suficientes para frear o crescimento gigantesco da organização da qual os três fazem parte: o governo Federal. Mas quando os cidadãos podem votar com a maior democracia que existe, com os pés, e as suborganizações (estados e municípios) podem decidir quando ingressar ou sair da organização superior, a liberdade está mais protegida. Infelizmente, depois de 1865, a ideia de uma União voluntária foi suspensa e, com isso, a questão da secessão tornou-se uma ofensa aos olhos de muitos. Obrigado, Abe!
Na Alemanha, Hitler afirmou que “todos os direitos dos estados devem ser eliminados: para nós, o estado como tal é apenas uma forma, já que o essencial é o seu conteúdo, a nação, o povo, é claro que todo o resto tem que ser subordinado aos interesses soberanos da nação. Em particular, não podemos conceder a nenhum estado individual dentro da nação, e ao estado que o representa, soberania e soberania estatal em questão de poder político.” Assim, o “mal dos estados federados individuais… deve cessar e um dia cessará… O nacional-socialismo, por uma questão de princípio, deve reivindicar o direito de impor seus princípios a toda a nação alemã, sem considerar as fronteiras anteriores dos estados federados.”
Tom Woods, citando uma passagem do “Mein Kampf“, de Hitler, que foi mostrada em “Unmasked Lincoln“, de Thomas DiLorenzo.
A figura de Lincoln deve ser exaltada e reconhecida como a de um homem autodidata que, sem ter mais de um ano de educação formal, conseguiu se tornar um dos melhores advogados dos Estados Unidos e, finalmente, subiu nas fileiras do mundo da política para se tornar o presidente dos Estados Unidos. Mas a partir daí vê-lo como santo é difícil de entender.
Deixando de lado as atrocidades que cometeu durante a guerra e esquecendo o fato de que não era o abolicionista pelo qual é adorado, continua difícil admirar o resto de sua obra. Durante anos foi lobista das ferrovias e quando, enfim, se encarregou de escolher o traçado das linhas federais, coincidentemente, suas terras estavam bem no meio. Parece um pouco suspeito, mas não importa, tenho certeza de que há muitas explicações para essa curiosa coincidência. Além disso, durante os quase 30 anos anteriores à sua presidência, foi um entusiasta do mercantilismo. Altas tarifas sobre importações e altos subsídios a setores específicos estavam no centro de seu trabalho. A volta do banco central, que Andrew Jackson havia eliminado, foi outro dos temas que abordou durante esses anos.
Thomas DiLorenzo tem uma teoria do que ele chama de “O Culto a Lincoln”. Ele afirma que sua deificação, impulsionada por democratas e republicanos e até pelo Partido Comunista, é a glorificação da Presidência americana e do governo federal dos EUA. Então, todo mundo que acredita em um governo federal poderoso, todo mundo que tem que encontrar desculpas para justificar ataques às liberdades civis, todo mundo que quer dizer aos outros como eles devem viver suas vidas, acaba exaltando-o. De fato, do meu ponto de vista, é difícil pensar em outros políticos que atacaram tanto a instituição da liberdade durante o século XIX e tiveram tanto impacto negativos sobre os acontecimentos do século seguinte (exceto, talvez, o irmão europeu de Lincoln, Bismarck).
DiLorenzo observa, com razão, que a glorificação acima mencionada se tornou uma maldição, “A Maldição Lincoln”. Nos últimos 150 anos, a figura de Abe tem sido usada para justificar a contínua reinterpretação da Declaração de Independência e da Constituição dos EUA de acordo com os desejos de alguns. Infelizmente, tal desrespeito acarreta danos intensos e contínuos aos fundamentos da liberdade em quase todos os aspectos da vida americana. Pôr fim à veneração de Abraham Lincoln é um passo importante para a restauração da Terra dos Livres.
*Este artigo originalmente foi publicado em Instituto Juan de Mariana.
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Bom, como não se trata de um trabalho acadêmico, mas simplesmente de um artigo expressando minha visão e conhecimento sobre Lincoln e sua adoração, sugiro os seguintes artigos, livros e vídeos para quem estiver interessado em detalhes mais completos sobre o assunto:
Artigos
Thomas DiLorenzo, “Lincoln the Racist;
Thomas DiLorenzo, “Spielberg’s Upside-Down History: The Myth of Lincoln and the Thirteenth Amendment”;
Thomas DiLorenzo, “Spielberg’s Sovietization of U.S. History: The Bait-and-Switch Game of ‘Historical Docudrama’”;
Walter Williams, “DiLorenzo Is Right About Lincoln”;
Walter Williams, “Abraham Lincoln”;
Brion McClanahan, “The five most overrated American Presidents”;
Brion McClanahan, “Solidifying the Lincoln Cult, Penny wise”;
Tom Woods, “Lincoln Unmasked”.
Artigos sobre Doris Kearns-Goodwin:
David Kirpatrick, New York Times em 2002, “Author Goodwin Resigns from Pulitzer Board”;
Mickey Kaus, comentário a artigo no L.A. Times em 2002, “Why isn’t DKG toast?”.
Livros
David Donald, “Lincoln”;
Thomas DiLorenzo, “The Real Lincoln”;
Thomas DiLorenzo, “Lincoln Unmasked”;
Lerone Bennett Jr., “Forced into Glory: Abraham Lincoln’ s White Dream”;
Joseph Fallon, “Lincoln Uncensored”;
John Denson, “Reassessing the Presidency: The rise do the executive state and decline of freedom”.
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Por Sergio Alberich
Publicado anteriormente em: https://encurtador.com.br/Nfwqi