Os dois primeiros mandatos de Luiz Inácio Lula da Silva foram marcados por uma forte dose de pragmatismo político. Não é à toa que o governo, naquela época, foi sacudido pelo escândalo do Mensalão. A denúncia do ex-deputado Roberto Jefferson sacudiu as estruturas de Brasília e mostrou que o Planalto mantinha uma espécie de mesada para um grupo de parlamentares, que tinham a missão de aprovar pautas importantes para o PT.
Nos anos seguintes, com Dilma Rousseff no poder, ocorreu o oposto. Aquele governo petista sempre andou às turras com o Congresso – e, em especial, com o Centrão. A figura mais relevante do poder legislativo, até então, era o deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal. Dilma passou boa parte de seus dias brigando com Cunha – até que sofreu um processo de impeachment, do qual não se safou (teve apenas o apoio de 137 deputados, contra 367 que apoiaram a derrubada da presidente).
Quando Lula retornou ao poder, esperava-se que ele – um notório encantador de serpentes – voltasse a exercer a arte da sedução política (deixando, evidentemente, as práticas não republicanas de lado). Porém, o que se vê nesses dez primeiros meses de mandato é um mandatário diferente, cada vez mais parecido com Dilma.
Não que Lula tenha dinamitado pontes, como a ex-presidente fez. Mas a rota tomada por ele incomoda muitos operadores políticos do Centrão.
O primeiro ponto de irritação está na demora em cumprir promessas, como se observou no caso da Caixa Econômica Federal. Lula ficou testando a paciência de Arthur Lira, que tinha negociado a primazia de indicar a nova chefia da CEF. Demorou, demorou até que Lira perdeu as estribeiras e travou a pauta na Câmara. No mesmo dia em que Carlos Vieira foi nomeado, os deputados votaram favoravelmente a proposta de taxar fundos exclusivos e de off-shore (uma pauta cuja votação se arrastava há um bom tempo na casa legislativa). Lira, agora, quer ver qual será a velocidade de resposta do Planalto diante de novos pedidos. Lula vai atendê-los com o freio de mão puxado?
Mas essa insatisfação não é forte apenas na Câmara. O Senado também não está nada satisfeito com o governo. Um exemplo desse desgosto está na rejeição de Igor Roque para chefiar a Defensoria Pública da União, que pode ser interpretada como um recado ao presidente. Muitos senadores, inclusive, acham que o Planalto está mais sintonizado com os deputados e querem maior atenção.
O que está em jogo no Senado? Votações importantes, como a aprovação da Reforma Tributária e do novo membro do Supremo Tribunal Federal. Se o governo for derrotado nessas questões, estará em sério apuros.
A demora em indicar o novo titular da Procuradoria Geral da República, que está há 36 dias chefiada de forma interina, também é vista com reservas entre o Centrão. Lula já recebeu muitas indicações, mas ainda não se decidiu. Por que a PGR é tão importante? O procurador-geral tem uma competência particular: pode denunciar o presidente do Supremo Tribunal Federal e pedir ações penas contra quem possui foro especial. Os senadores insatisfeitos, mais uma vez, podem criar problemas para a aprovação do nome escolhido pelo presidente.
Nesta semana, Lula deu uma declaração desastrosa sobre o déficit público, dando a entender que não está muito preocupado com o controle de gastos públicos – uma característica bastante marcante dos anos Dilma. Em reação à fala do presidente, a Bolsa caiu e o dólar subiu. Resultado: mais parlamentares descontentes com o Planalto.
O presidente, neste terceiro mandato, parece estar ouvindo mais a ala radical do partido – em especial a presidente da sigla, Gleisi Hoffman, que é frequentemente acionada para defender o estouro das despesas públicas. Gleisi, não à toa, foi ministra da Casa Civil de Dilma.
Vamos torcer para que as semelhanças entre o governo atual e o da ex-presidente acabem por aqui.