Campanha tem o triplo árduo desafio: reduzir rejeição à direita, mostrar preocupação social a partir do centro e, à esquerda, reconhecer o lado de Lula
Mais João do que Doria, o pré-candidato à Presidência da República pelo PSDB e ex-governador de São Paulo meteu os pés pelas mãos na última semana. Ao elogiar o histórico democrático de seu adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o tucano foi recalibrado na mira da máquina de propaganda bolsonarista como um defensor dos erros dos governos petistas – e no reboque, dos crimes cometidos por parte de seus integrantes. Só que o problema é anterior e mais complexo à estratégia de campanha, ainda mais com a desarmonia entre os egos dos postulantes à encolhida terceira via. Com 2% na maioria das pesquisas, ele precisaria superar os 6% para ser considerado com alguma viabilidade pelo seu próprio partido. De acordo com o levantamento do Paraná Pesquisas deste sábado (30), João teria 5,5%, ficando tecnicamente empatado com Ciro Gomes (PDT), com 5,4%. Mas é pouco e, junto com ele, toda a terceira via que tenta representar pode implodir antes da campanha de fato.
Dentre as barreiras para emplacar Doria nas métricas de aceitação dos brasileiros, o principal desafio da equipe tucana é contra-atacar a “máquina bolsonarista de moer reputações”, diz o responsável pelo marketing da campanha de Doria, Lula Guimarães. Um monitoramento recente apontou que 40% das atividades ligadas ao presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2021, seja nas redes sociais ou em eventos do governo, focaram na desqualificação de governadores que foram a favor do lockdown e no ataque aos potenciais adversários na reeleição.
Doria se enquadra nas duas categorias, se tornando um alvo mais fácil e óbvio que Ciro Gomes (PDT) e Sergio Moro (União Brasil). Pesquisas mostram grande rejeição mesmo em regiões onde o paulista é desconhecido – o esperado seria “não sei opinar” ou “não conheço”. A explicação está no predomínio do bolsonarismo nas redes sociais. “Eu acompanho pesquisa qualitativa no Nordeste. Você tem no interior da Paraíba, do Piauí, eleitores que rejeitam o Doria, mas nem ouviram falar dele. Esses eleitores foram operados, receberam informação dessa máquina”, destacou Guimarães. Nem a imagem de “pai da vacina” no Brasil pegou. O bolsonarismo chamou a CoronaVac do Butantan de “vachina”.
BolsoDoria e LulaDoria
A falsa impressão de mudança de posicionamento de Doria só ajudou, sugerindo um posicionamento ao avesso do BolsoDoria na forma de um LulaDoria – criado pelo bolsonarismo. Inserções de propaganda partidária do PSDB na TV estão em andamento e apostam em reverter – fazendo humor com o uso de calça apertada -, a imagem de almofadinha do ex-governador, mostrando tanto as realizações das gestões Doria no governo e na prefeitura de São Paulo, quanto as necessidades dos brasileiros mais vulneráveis em momento de crise econômica. Algo que a imagem propagandística do João Trabalhador havia praticamente desconsiderado desde seu surgimento. Espremido entre duas forças e claramente desdenhado pelos caciques do PSDB, foi com alívio que recebeu críticas de Lula nesta segunda-feira (2). A possibilidade de diálogo com o petista naufragou dias depois da sabatina da Folha, onde lançou essa possibilidade.
Lula Guimarães faz uma ressalva óbvia que a eficácia da máquina bolsonarista faz perder a importância. Tanto os governos petistas quanto o de Bolsonaro tiveram resultados negativos ao final dos mandatos, o que pode ser considerado quase natural. Entretanto, “Lula nunca atentou contra a democracia como faz Bolsonaro”. Neste cenário, Doria teria que se apresentar capaz de reconstruir as pontes que queimou para liderar o PSDB: reduzir a rejeição de grande parte da direita, mostrar preocupação social a partir do centro, reconhecer a parte boa do petismo – a quem exaustivamente classificou como petralhas. Daí a possibilidade de João até se lançar vice – mas de quem?