A saída de Sérgio Moro do Governo Federal foi um fato político tão explosivo que fez colocar, por alguns dias, a pandemia do coronavírus em segundo plano nas manchetes dos jornais e deixar as redes sociais em polvorosa. Passada a primeira onda de repercussões, Moro agora encara a dura realidade: como se manter em evidência no cenário eleitoral?
O Supremo Tribunal Federal vai dar uma colher de chá nesse sentido, pois marcou um depoimento na semana que vem, com o objetivo de discutir as acusações feitas ao presidente Jair Bolsonaro, de interferência política em sua pasta.
Neste feriado, Moro usou um truque clássico de quem precisa se manter na ribalta e deu uma entrevista para um grande órgão de imprensa. No caso, a revista Veja, que o colocou em sua capa. Em oito páginas, o que se lê é uma narrativa típica de candidato. Mas ele avisa que quer distância das urnas e que deseja obter um emprego no setor privado. “Não tenho nenhuma pretensão eleitoral. Não me filiei a partido algum. Nunca foi meu plano. Estou num nível de trabalho intenso desde 2014. Quero folga”, afirmou Moro.
Talvez Moro tenha uma visão um tanto distorcida do que é trabalhar no setor privado. “Folga”? Nos últimos anos, nunca se trabalhou tanto nas empresas e nas bancas de advocacia. E é consenso de que se labuta muito mais no mundo empresarial do que na Justiça brasileira. Assim, se o ex-ministro desistir da vida pública, vai ter de arregaçar as mangas. As empresas se preocupam cada vez mais em produtividade e em “value for money” – ou seja, fazer valer o seus investimentos em recursos humanos. Entende-se que Moro pegou um rabo de foguete durante a Lava-Jato ou à frente do Ministério; mas a vida de um executivo não é muito diferente. Em alguns casos, é até mais agitada.
Durante a Lava-jato, Moro recebeu inúmeras críticas vindas dos advogados de defesa. Em Nova York, dois anos atrás, ele recebeu o prêmio “Person of The Year”, em evento da Brazilian American Chamber of Commerce, do qual MONEY REPORT é um dos principais patrocinadores. Num dos eventos paralelos à cerimônia, tive a oportunidade de perguntar ao então juiz se ele achava que a Operação tinha incorrido em algum tipo de exagero. Moro respondeu que não havia inocentes presos e que as julgamentos negativos vinham basicamente dos advogados de defesa.
Além desses profissionais, contudo, várias entidades ligadas ao Direito também reclamaram da sua atuação como magistrado, especialmente de parcialidade e motivação excessiva para condenar (características, por sinal, que impulsionaram sua popularidade e fizeram-no colocar políticos corruptos na cadeia). Entre essas instituições, estava a Ordem dos Advogados do Brasil, presidida por Felipe Santa Cruz, persona non grata no governo. Sobre Santa Cruz, Moro chegou a dizer que ele não era recebido no Ministério da Justiça porque tinha “postura de militante político”. Vejam as voltas que o mundo dá: para exercer um cargo jurídico na iniciativa privada ou trabalhar como advogado em uma banca, Moro precisará justamente de um registro na OAB, comandada hoje por um desafeto. Santa Cruz (ou o presidente de uma regional da Ordem) vai agir na base do “inimigo do meu inimigo é meu amigo”? Teremos de aguardar as cenas dos próximos capítulos para saber o desfecho desta história.
Perguntado por Veja se tinha provas da interferência política do presidente na Polícia Feral, Moro deu a seguinte resposta: “O presidente tem muito poder, tem prerrogativas importantes que têm de ser respeitadas, mas elas não podem ser exercidas, na minha avaliação, arbitrariamente. Não teria nenhum problema em substituir o diretor da PF Maurício Valeixo, desde que houvesse uma causa, uma insuficiência de desempenho, um erro grave por ele cometido ou por algum de seus subordinados. Isso faz parte da administração pública, mas, como não me foi apresentada nenhuma causa justificada, entendi que não poderia aceitar essa substituição e saí do governo. É uma questão de respeito à regra, respeito à lei, respeito à autonomia da instituição”. Ou seja: como um político profissional, fugiu da pergunta e deu uma resposta evasiva. Pressionado pelo entrevistador, no entanto, afirmou em seguida que “as provas serão apresentadas no momento oportuno, quando a Justiça solicitar”.
Antes da defecção do ex-juiz, o governo vinha enfrentando desgastes políticos. Uma pesquisa feita pelo DataFolha mostrava, no início de abril, que 17 % dos eleitores de Bolsonaro estavam arrependidos de seu voto. Com as saídas de dois ministros populares, Luiz Henrique Mandetta e o próprio Moro, provavelmente o índice de sufragistas compungidos aumentou. Mesmo assim, a base militante do presidente, especialmente nas redes sociais, ainda é alta (há o uso de robôs no meio desta agitação digital, é verdade, mas isso é tema para outra coluna). Por isso, ao longo dessa semana, o ex-ministro sofreu ataques frontais, acusando-o de ser “traidor” ou “judas”. Ainda não estamos na fase em que ele será chamado de “comunista”, mas já foi tachado de “anti-armas”.
Para quem busca uma colocação no setor privado, Moro tem um obstáculo: que empresa chamaria alguém com um perfil tão alto para fazer parte de seu quadro de executivos? Alguém que, ainda por cima, está às turras com o presidente da República? Convenhamos: não se trata de algo impossível, mas é dificílimo. Até por isso, a conclusão à qual se chega é uma só: o caminho do ex-ministro deve ser mesmo o da política. Resta apenas saber se ele vai se movimentar imediatamente, obtendo uma secretaria, concorrendo a alguma prefeitura ou vai guardar sua munição para 2022. O desafio, porém, permanece: como ele ficará em evidência até as eleições presidenciais? Só há uma possibilidade para isso dar certo. É entrar em conflito direito e permanente com Bolsonaro, um espaço que agora é ocupado pelo governador João Doria. Haverá espaço para dois antagonistas ferrenhos ao presidente? Improvável. No cenário político, quando dois nomes dividem o mesmo quadrante eleitoral, o opositor sempre sai ganhando.