O presidente Jair Bolsonaro continua em sua saga para desacreditar o sistema eleitoral brasileiro. Depois de afirmar (sem apresentar provas) que houve fraude em 2018, pois teria vencido o pleito no primeiro turno, ele voltou à carga. Em entrevista à Rádio Guaíba, de Porto Alegre, disse que Aécio Neves teria derrotado Dilma Rousseff em 2014, mas não levou porque a eleição foi fraudada. “Nosso levantamento, feito por gente que entende do assunto, garante que sim. Não sou técnico de informática, mas foi comprovado fraude em 2014”, afirmou o presidente. “O parlamento brasileiro negociou com liderança partidária para que o voto impresso não fosse votado. Para quê? Para fraude. Brasil é o país que desponta no tocante da informatização. Por que o Japão não adota o voto eletrônico? Por que os Estados Unidos não fazem o mesmo? Porque o [ministro Luís Roberto] Barroso [presidente do Tribunal Superior Eleitoral] não quer mais transparência nas eleições, porque tem interesse pessoal.”
Nem o próprio Aécio Neves compra a versão de que ganhou de Dilma. E a razão de sua derrota é clara: o atual deputado não conseguiu vencer em dois colégios eleitorais importantes, Minas Gerais (seu reduto) e Rio de Janeiro. No final, o placar foi de 15 estados a 11, além do Distrito Federal.
A insistência de Bolsonaro na tese da fraude não encontra fundamento na razão. Se é tão fácil roubar uma eleição, porque os fraudadores não aproveitaram o embalo e deram a vitória a Fernando Haddad no segundo turno? Por que adulterar os resultados apenas da primeira etapa eleitoral e entregar a presidência a Bolsonaro ao final?
O presidente se mostra adepto de uma teoria da conspiração que mobiliza sua base de apoiadores mais fiéis e acaba oferecendo combustível para uma eventual contestação de resultados no ano que vem.
Bolsonaro segue a mesma linha de Donald Trump, que falou em resultados eleitorais manipulados em favor do adversário, Joe Biden, ainda na campanha. Trump foi derrotado e passou a bater na mesma tecla, afirmando sem apresentar provas concretas que havia um conluio para tirá-lo ilegalmente do poder. No meio deste tiroteio de versões, o então presidente estimulou seguidores a invadir o Congresso americano para, mais uma vez, contestar os números das urnas. Caso Bolsonaro perca (uma previsão ainda sem nenhum fundamento, pois a eleição está muito longe), o que ele poderá fazer? Convocar seus apoiadores, a polícia militar e o Exército para mantê-lo no poder sob o pretexto de ter sido roubado pela urna eletrônica?
Ao perceber que a tese de fraude em sua própria eleição seria difícil de engolir, o presidente passou também a divulgar que Aécio teria sido o verdadeiro vencedor de 2014. Mas nas hostes digitais de apoio incondicional a Bolsonaro circulam posts que também falam em embuste na primeira eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002.
Alguém acredita, em sã consciência, que o senador José Serra, com a antipatia que lhe é peculiar, teria condições de derrotar qualquer adversário em um embate presidencial? Em 2002, tivemos uma verdadeira lavada: Lula obteve 53 milhões de votos contra 33 milhões de Serra. O tucano, longe de ser unanimidade em seu partido, foi deixado à própria sorte por seus colegas e em especial pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso. O resultado foi um fracasso inquestionável.
Mesmo assim, alguns radicais querem vender uma versão esdrúxula de que Lula foi derrotado por Serra. Como no caso de Aécio, nem o próprio senador acredita nessa tese e a mesma descrença é compartilhada por inúmeros peessedebistas.
Diante do perrengue que cerca essa discussão, que vai crescer de forma astronômica nos próximos meses, o debate em torno da volta do voto impresso (ou a possibilidade de usá-lo como backup em casos de questionamento de resultado) ganha ainda mais importância. Só que onze partidos, incluindo alguns da base governista, já se mostraram contrários à impressão de sufrágios.
Fica, assim, a pergunta: Bolsonaro insiste tanto no voto impresso porque quer mesmo a sua volta ou para ter algum argumento que sustente um suposto questionamento da vontade popular que se manifestará nas urnas?
Parece ser um contrassenso gastar cerca de R$ 2 bilhões em impressões apenas para satisfazer a vontade do mandatário, que acusa o nosso sistema eleitoral (que certificou sua vitória, diga-se) de ser manipulável. Mas, a essa altura do campeonato, talvez a quantia bilionária até seja um preço baixo a pagar diante da confusão que podemos viver em 2022. Se tivermos como provar a lisura do processo, qualquer que seja o resultado, o Brasil poderá entrar no ano de 2023 com mais calma. Isso seria excepcional. Os brasileiros – em especial, os empresários –precisam de calma e de previsibilidade. Tudo o que não necessitamos é de uma judicialização das eleições, fato que nunca ocorreu na história recente do país.