Depois de um depoimento de oito horas na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, especulou-se que a inquisição do ex-ministro Sergio Moro teria sido recheada de novas acusações e provas suculentas contra o presidente Jair Bolsonaro. Os advogados de Moro colaboraram para essa expectativa quando afirmaram que o seu cliente abria mão do sigilo que protege esse tipo de inquérito. Ou seja, esperava-se uma bomba.
No entanto, o que se viu está mais para o potencial explosivo de um traque. Não foi apresentada uma só prova, como prometeu Moro em entrevista à revista Veja na semana passada, e a maioria dos relatos que configurariam uma suposta interferência de Bolsonaro nos rumos da Polícia Federal se deu em ambiente privado, sem testemunhas.
Além disso, não formulou uma acusação formal ao presidente da República. Está nos autos: “perguntado se identificava nos fatos apresentados em sua coletiva alguma prática de crime por parte do Exmo. Presidente da República, esclarece que os fatos ali narrados são verdadeiros, que, não obstante, não afirmou que o presidente teria cometido algum crime“. Mas adiante, reforçou: “quem falou em crime foi a Procuradoria-Geral da República na requisição de abertura de inquérito e agora entende que essa avaliação, quanto a prática de crime cabe às Instituições competentes”.
Em um determinado momento, Moro também afirma que o presidente “nunca lhe pediu” relatórios de inteligência que subsidiavam investigações policiais. Este trecho inclusive foi reproduzido através do Twitter pelo filho de Bolsonaro, o vereador Carlos.
Esta aparente mudança na narrativa do ex-juiz deve ter o dedo do advogado de defesa, Rodrigo Sánchez Rios, que já defendeu réus da Operação Lava-Jato, como Marcelo Odebrecht e Eduardo Cunha. Se insistisse num confronto direto com Bolsonaro no depoimento, Moro poderia ser enquadrado nas acusações de calúnia ou denunciação caluniosa. Este recuo, em tese, o coloca numa posição mais condizente com as provas que foram reveladas.
Há duas novidades do documento vazado com as declarações do ex-ministros.
Uma é uma mensagem de texto na qual Jair Bolsonaro afirmaria: “Moro, você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”. Se houver em seu celular um arquivo que comprove o depoimento, isso pode ser interpretado como uma tentativa de interferência. O tema não é exatamente algo novo, mas a suposta existência da mensagem sim.
Outra surpresa foi a inclusão dos ministros militares do governo na barafunda. São eles os generais Heleno Pereira Ribeiro, Luiz Eduardo Ramos e Walter Braga Netto, todos membros do primeiro escalão do administração federal. Moro disse, sobre a substituição de Maurício Valeixo à frente da PF: “o assunto retornou com força em janeiro de 2020, quando o Presidente disse ao Declarante que gostaria de nomear Alexandre Ramagem no cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal e Valeixo iria, então, para uma Adidância. Isso foi dito verbalmente no Palácio do Planalto; (…) eventualmente o General Heleno se fazia presente “.
Moro também narrou ter conversado com o presidente e que ele lhe comunicou a intenção de substituir Valeixo por Alexandre Ramagem. A reação do ex-juiz foi retrucar que isso configuraria uma interferência política na Polícia Federal. Bolsonaro, segundo Moro, lamentou, mas disse que a decisão tinha sido tomada. Em seguida, “reuniu-se em seguida com os ministros militares do Palácio do Planalto e relatou a reunião com o Presidente; a reunião foi com os Ministros Generais Ramos, Heleno e Braga Netto”.
Ao depor que esses auxiliares diretos do Planalto sabiam das supostas intenções de Bolsonaro, Moro criou um desdobramento no caso. Os generais terão de ser ouvidos e confrontados com as acusações – o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, por sinal, já autorizou que a PF faça inquisições aos militares. Uma cereja nesse bolo seria um encontro gravado em vídeo pelo Planalto e que poderia ser arrolado como prova.
As acusações continuam, em si, graves. Mas esperava-se novas denúncias, cada uma com uma quantidade enorme de megatons. Houve, no entanto, um anticlímax, com acusações requentadas, no melhor estilo “a montanha pariu um rato”. Se foram apresentadas provas contundentes, ainda não se sabe. Uma coisa é certa: no depoimento de Moro é que essas evidências não estão.
O processo, agora, seguirá seu ritmo e dará ao ex-ministro o palanque do qual tanto necessita para se manter em evidência caso resolva ser candidato a um cargo eletivo. Mas o ceticismo em torno do alto poder explosivo das acusações de Sergio Moro ganhou força após o vazamento de seu depoimento.
Estará ele guardando munição? Ou este caso será semelhante ao da Vaza-Jato, no qual o ex-ministro estava na outra ponta? Quando foram vazadas as mensagens trocadas entre Moro e a equipe da Lava-Jato, especulou-se que haveria ases guardados nas mangas de quem publicou os posts dos personagens. Ocorre que nada de mais grave chegou a ser revelado mais tarde – pelo menos nada que pudesse abater a popularidade do então Ministro da Justiça.
Desta vez na papel de acusador, Moro pode padecer da mesma falta de fôlego da Vaza-Jato, que tentou fustigá-lo. Conseguirá ele uma reviravolta? Sozinho, contando com sua própria munição, dificilmente logrará. Entretanto, ele conta com um precioso aliado para tentar provar o seu ponto de vista – um grande contingente de policiais federais que o têm em alta estima. Esses agentes da PF vão tentar ajudá-lo, mesmo informalmente. O tempo, no entanto, está contra Moro. Celso de Mello, que autoriza os procedimentos dessa investigação, se aposenta no segundo semestre do STF. Tudo indica que, por isso, ele não arrastará o processo e tentará fechar tudo antes que seja jubilado. Assim, Moro terá de apresentar rapidamente alguma evidência que corrobore o que diz. Caso contrário, sua credibilidade vai começar a evaporar.