Pesquisar
PATROCINADORES
PATROCINADORES

O Boechat que conheci

Conheci Ricardo Boechat no Rio de Janeiro, em 2002, quando ele era o editor-chefe do Jornal do Brasil. Meses antes, ele havia sido demitido abruptamente das Organizações Globo de duas funções importantes: comentarista do Bom Dia Brasil, na TV Globo, e titular da coluna Carlos Swann, do jornal O Globo – uma das mais quentes do Rio, com furos diários e notas engraçadíssimas. O Boechat ao qual me apresentaram no início de 2002 trazia sequelas visíveis daquela demissão. Olhar cabisbaixo, postura alquebrada e timbre de voz hesitante. Para mim, que o assistia com frequência no matutino global, foi um choque. Aquele Boechat da TV transbordava autoconfiança e charme. Nada a ver com a pessoa titubeante que acabara de conhecer.

Para quem não se lembra, a revista Veja publicou um grampo no qual o jornalista conversava com o empresário Paulo Marinho (pensou no amigo do presidente Jair Bolsonaro? Ele mesmo) pelo celular e falavam a respeito de uma nota sobre Daniel Dantas. Naquela época, o mundo da telefonia estava em pé de guerra e Dantas com frequência atacava e se defendia dos adversários através da imprensa. A transcrição deste áudio, com alguns trechos editados, dava a entender que a relação entre o jornalista e o empresário não era republicana. E Boechat foi mandado embora sumariamente do sistema Globo.

Um pouco depois, no Rio de Janeiro, conheci Paulo Marinho e pude testemunhar como era sua relação de amizade com o então editor-chefe do JB. Os dois eram inseparáveis e desfrutavam de uma amizade de vários anos. A intimidade revelada pelo grampo era fruto desta amizade. Boechat confiava no amigo que lhe trouxera notas saborosas no passado. Por isso, ouvia Marinho com interesse e muitas vezes publicava aquilo que escutava. O que não se disse em 2001 é que Boechat, em inúmeras ocasiões, resolveu não escrever o que empresário lhe passava. E, principalmente, que seu critério para publicar notas na coluna Swann era exclusivamente jornalístico. Augusto Nunes, que desfrutava tanto da amizade de Boechat como a de Marinho, pode confirmar ipsis literis o que está escrito aqui.

Fui reencontrá-lo quatro anos atrás, num almoço de domingo promovido por um amigo em comum no Clube Monte Líbano. Pude reconhecer o Boechat que acostumamos ouvir no rádio e assistir com interesse na TV. Confiante, divertido, afiado. Depois disso, nos cruzamos mais duas vezes. Ele sempre muito descontente com o cenário político e particularmente inconformado com a atitude imediatista dos governantes e parlamentares. Às vezes, descrente do caráter do brasileiro. Mas jamais sem perder o bom humor. Bonachão, era afável com todos que se aproximavam para um comentário ou uma selfie.

Dono de uma inteligência prodigiosa e de uma rapidez de raciocínio inigualável, Boechat sabia que devia toda a carreira àquele público que o assediava. Por isso, era humilde, paciente e até solidário com seus fãs. Tinha 66 anos e energia de garoto. Nem parecia que havia superado, anos atrás, uma depressão fortíssima. Uma perda irreparável para quem aguardava o início da noite para ouvir sua opinião sobre os fatos do dia na tela da Band. E para o jornalismo, que vê partir – muito antes da hora – um de seus maiores ícones, no auge de sua forma. É como se o futebol fosse ceifado, de uma hora para outra, das jogadas de Pelé em seu apogeu.

Ao ler essa última frase, Boechat deve estar retrucando, lá no andar de cima: “Menos, Falcão. Comparar com o Garrincha já estaria de bom tamanho”. Não, meu caro. A comparação com Pelé é muito mais que justa. Porque para nós, jornalistas, você foi um Rei. Aquele que estará sempre na galeria particular de ídolos de cada colega de profissão. Descanse em paz, majestade.

Compartilhe

Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Pesquisar

©2017-2020 Money Report. Todos os direitos reservados. Money Report preza a qualidade da informação e atesta a apuração de todo o conteúdo produzido por sua equipe.