Cerca de 210 milhões de brasileiros são reféns de 600 mil funcionários públicos federais. É a essa conclusão que se chega quando observamos o circo que se estabeleceu no Senado no dia de ontem.
A Câmara Alta derrubou o veto do presidente Jair Bolsonaro ao reajuste de salários de servidores durante a pandemia do novo coronavírus. O congelamento destes vencimentos até o final de 2021 havia sido uma contrapartida negociada pelo governo com o Parlamento para aprovar o pacote de socorro de R$ 60 bilhões a estados e municípios. Nas contas do ministro Paulo Guedes, esta brincadeira pode render uma despesa adicional ao Tesouro de R$ 120 bilhões – ou seja, é um trajeto sem escalas para a ruptura do teto de gastos públicos.
É inaceitável que essa casta de servidores públicos seja privilegiada enquanto toda a sociedade se sacrifica durante o combate à pandemia.
Privilegiar o funcionalismo é um fenômeno antigo e perdulário. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostram que em 2017 foram gastos R$ 750,9 bilhões com os servidores públicos ativos, o que corresponde a 10,5% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Segundo a pesquisa do Ipea, do início de 2001 até o fim de 2018, a despesa com salários de funcionários públicos federais cresceu 447%, enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) variou 203%. No mesmo período, o número de funcionários públicos federais na ativa avançou 27%, passando de 494,8 mil para 630,7 mil.
Durante a pandemia, algumas barbaridades feitas sob medida para proteger o funcionalismo também apareceram. Um deles foi o auxílio-educação oferecido por algumas estatais. Somente Petrobras, BNDES e Eletrobras, por exemplo, gastam R$ 31 milhões mensais com o benefício. Isso representa R$ 373,2 milhões anuais ou R$ 1,12 bilhão a cada triênio. Trata-se de um montante suficiente para manter 50 mil famílias com o coronavoucher de R$ 600.
Às 15h, começa na Câmara a votação que pode derrubar de vez o veto de Bolsonaro e promover um desrespeito generalizado ao teto de gastos e ao dinheiro do contribuinte – sem contar com a possibilidade de descontrole dos gastos estatais, que gera inflação e descompasso na atividade econômica. Esses 600 mil privilegiados valem o infortúnio de 210 milhões de habitantes? É claro que não. Esperemos que a Câmara Federal aja com responsabilidade.