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O canto da sereia da igualdade

Este artigo recorre a lições da conhecida crítica de Murray Rothbard ao igualitarismo, cujo objetivo é esclarecer o significado preciso do conceito de “igualdade”

Os debates sobre “igualdade racial” se caracterizam pela evolução de conceitos e terminologias em uma busca constante por melhores formas de expressar os ideais e valores dos protagonistas. Os mantras de “diversidade, equidade e inclusão” (DEI) estão agora sob ataque crescente à medida que vários estados se movem para proibir programas DEI. Em busca de uma base conceitual alternativa para seus esquemas de igualdade, muitos esquerdistas (progressistas e conservadores) que desejam promover a igualdade propuseram que uma alternativa melhor seria se unir em torno de um conceito de “igualdade daltônica“, que refletiria o sonho de Martin Luther King Jr.

Essa busca pela igualdade racial é adequada de uma perspectiva libertária de direitos naturais? Para responder a essa pergunta, este artigo recorre a lições da conhecida crítica de Murray Rothbard ao igualitarismo, cujo objetivo é esclarecer o significado preciso do conceito de “igualdade”.

Em seu ensaio “Freedom, Inequality, Primitivism, and the Division of Labor“, Rothbard descreve a igualdade como “liberdade para todo e qualquer homem”. Todos os seres humanos são iguais no sentido de que todos somos igualmente livres. Essa liberdade se expressa na ideia de que cada ser humano tem o direito à autopropriedade, e nenhum homem pode possuir outro ou violar os direitos de propriedade de outro homem. Como ele explica na “Ética da Liberdade“, a justiça exige que “a propriedade de nenhum homem em sua pessoa ou em bens tangíveis seja molestada, violada ou interferida por qualquer outra pessoa”. Entendido dessa forma, o slogan da “Declaração de Independência Americana” de que todos os homens são criados iguais refere-se à “liberdade plena para todas as pessoas”:

Pois o conceito de igualdade alcançou sua popularidade generalizada durante os movimentos liberais clássicos do século XVIII, quando significava, não uniformidade de status ou renda, mas liberdade para todo e qualquer homem, sem exceção. Em suma, a igualdade naquela época significava o conceito libertário e individualista de liberdade plena para todas as pessoas.

Qualquer tentativa de desvincular a igualdade desse ideal de liberdade transforma imediatamente a igualdade em nada mais do que um veículo conveniente para a equalização de qualquer coisa que seus promotores possam imaginar que deva ser equalizada. Inventar uma gama ilimitada de “direitos” artificiais, como os chamados direitos civis e políticos, e depois fazer valer a “igualdade” desses direitos inventados, é um empreendimento sem qualquer fundamento ético ou justo. De fato, qualquer tentativa de impor tal “igualdade” artificial seria incompatível com a natureza humana.

Antony Flew avança um argumento semelhante, pois em sua opinião seria errado ler a “Declaração de Independência” como uma tentativa de negar a realidade óbvia da natureza humana na qual os seres humanos não são iguais, mas, na verdade, unicamente diversos e desiguais: “Os signatários [da ‘Declaração de Independência’] não estavam afirmando nem pressupondo uma proposição falsa na biologia ou na psicologia. Em vez disso, exigiam que certos direitos básicos muito gerais fossem garantidos”. Eles pretendiam defender o direito de cada homem à vida, à liberdade, à propriedade, contra a tirania do governo ou de qualquer outra pessoa, declarando todos os seres humanos iguais em ter esses direitos, homens ou mulheres, ricos ou pobres. Essa é a ideia expressa pelos juristas liberais clássicos como igualdade formal perante a lei.

O conceito libertário de igualdade expressa a ideia de que cada indivíduo tem a mesma liberdade inalienável que qualquer outro indivíduo. Entendido dessa forma, fica claro que o conceito de igualdade deriva seu significado do ideal de liberdade individual e erra sempre que se afasta da liberdade individual ou, pior ainda, tenta limitar o alcance dessa liberdade.

A igualdade também não pode ser entendida sem referência à natureza de todos os direitos como direitos de propriedade. Rothbard conceitua todos os direitos individuais como emanados da autopropriedade, e em sua opinião não há “direitos humanos” além dos direitos de propriedade. Como ele explica na “Ética da Liberdade”:

O conceito de “direitos” só faz sentido como direitos de propriedade. Pois não só não há direitos humanos que não sejam também direitos de propriedade, mas os direitos anteriores perdem sua absoluta e clareza e se tornam difusos e vulneráveis quando os direitos de propriedade não são usados como padrão.

Juntando essas ideias, o argumento é que a igualdade significa apenas que os direitos de propriedade pertencem a todo e qualquer indivíduo. Em outras palavras, o único conceito válido de “igualdade” é aquele que expressa o direito à autopropriedade e os direitos de propriedade, que pertencem igualmente a todos os seres humanos. Segue-se que o único conceito válido de justiça é aquele que, como expresso no direito romano, significa “dar a cada homem o que é seu”.

O ideal procustiano

A noção libertária de liberdade individual celebra a diversidade humana. Em “Freedom, Inequality, Primitivism, and the Division of Labor“, Rothbard enfatiza que cada indivíduo é único:

A glória da raça humana é a singularidade de cada indivíduo, o fato de que cada pessoa, embora semelhante em muitos aspectos aos outros, possui uma personalidade completamente individualizada própria. É o fato da singularidade de cada pessoa – o fato de que duas pessoas não podem ser totalmente intercambiáveis – que torna todo e qualquer homem insubstituível e que nos faz nos importar se ele vive ou morre, se é feliz ou oprimido.

Em sua opinião, o conceito contemporâneo de igualdade nega e, de fato, destrói essa diversidade, procurando coagir as pessoas a se encaixarem em um molde idêntico. Rothbard opõe-se, portanto, à noção de igualdade com base no princípio de que “o ideal de igualdade humana pode apenas implicar a uniformidade total e o completo apagamento da individualidade” (ênfase dele). Qualquer ideologia que busque pela força igualar todos os seres humanos só pode ser considerada, em suas palavras, como “anti-humana e violentamente coercitiva”, “monstruosa e antinatural”, “grotesca” e “catastrófica”.

Antony Flew tem uma visão semelhante do que ele chama de “o ideal procustiano”, ilustrando seu ponto evocando o mito grego em que o ladrão Procusto oferece o que parece ser hospitalidade aos viajantes, então toma medidas para garantir que todos os hóspedes sejam iguais e se encaixem igualmente bem no tamanho de sua cama: “aqui, se uma vítima era menor do que a cama, ele a esticaria martelando ou estilhaçando o corpo para se encaixar. Alternativamente, se a vítima fosse maior do que a cama, ele cortava as pernas para fazer com que o corpo se encaixasse no comprimento da cama”. Infelizmente, os convidados de Procusto não sobreviveram a seus bem-intencionados processos de equalização, mas pelo menos alcançaram o ideal de igualdade – e afinal, ele quis dizer bem que é o que conta de acordo com a indústria da igualdade.

A indústria da igualdade mina o valor de cada indivíduo, tratando as pessoas como engrenagens de uma roda ou, como diz Rothbard, tantas formigas indiferenciadas em um formigueiro. Sua busca pela igualdade destrói a liberdade humana e a liberdade individual, que são necessárias para o florescimento humano, para a prosperidade e para a própria civilização. Por essas razões, Rothbard nos exorta a ignorar o “canto da sereia da igualdade”:

Está mais do que na hora, então, de aqueles que prezam a liberdade, a individualidade, a divisão do trabalho, a prosperidade econômica e a sobrevivência, deixarem de admitir a suposta nobreza do ideal de igualdade. O chamado de “igualdade” é um canto da sereia que só pode significar a destruição de tudo o que prezamos como sendo humano.

*Este artigo foi originalmente publicado em Mises Institute.

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Por Wanjiru Njoya

Publicado originalmente em: https://encurtador.com.br/1MKYp

Nota: as visões expressas no artigo não são necessariamente aquelas do Instituto Mises Brasil.

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